25.8.17

Pelos olhos da multidão


Billy idol, “Eyes Without a Face”, in https://www.youtube.com/watch?v=9OFpfTd0EIs    
A multidão, tanta que os rostos são indiferentes uns dos outros. Caminham as pessoas em sentidos diferentes. As almas com pesos diferentes. Pensares diferentes. E, todavia, o sangue (de diferentes tipos) corre por veias com uma certa semelhança. Há toda uma orgânica que percorre, em semelhança, a estatutária viva das pessoas.
Do miradouro, uma imagem distante da multidão. Multicromática. Gente feita de diferentes idades, diferentes experiências, diferentes anseios, diferentes juramentos perante o tempo sobrante. Gente diferente. Do alto do miradouro com a multidão sob os pés, como se não fosse um apenas entre a multidão que habita o condomínio do mundo. Não cobiça ser o olhar sobranceiro que resume o olhar da multidão. Nem pretende que o olhar da multidão seja o farol por onde se projeta o seu olhar. Não sabe ser porta-voz. Nem podia ter o ónus de chamar ao seu olhar uma síntese dos olhares outros. A diversidade impedi-lo-ia. Mais importante, nunca se confiou a função de ser émulo do sentir alheio. Já chegam as consumições entregues na sua morada. Não concebe ser o olhar que decanta o sentir dos outros, pois nem sabe como medra tal sentir, nem aceita que um olhar seja se não a interpretação do sentir que corresponde ao corpo que transporta aquele olhar. Por maioria de razão, não transige com procurações que sejam a transfiguração de um olhar através do olhar da multidão.
A multidão não é um corpo único. É o somatório dos corpos únicos que lhe emprestam existência fictícia. Sempre se incomodou com os manipuladores que concentram a prestidigitação da fala dos outros sem lhes terem pedido licença, sem sequer notarem a usurpação do pesar individual. Pelos olhos da multidão, é o nada que se vê. Pois dos olhos da multidão reverte a favor do mundo um cosmos imenso, a pluralidade que se embebe nos diferentes ângulos, nos diferentes pontos de partida, nos labirintos diferentes por onde se tece o pensamento.
Tudo o que venha em contravenção do estipulado, imaginando fantásticos mecanismos de absorção do olhar da multidão, é um totalitarismo espúrio (como são todos os totalitarismos).

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