Alex Cameron, “Candy May”,
in https://www.youtube.com/watch?v=KU01Rix_l2w
Dizia-se que um lamento é uma árvore infecunda à espera da mansuetude
das palavras projetadas no tempo. Eram selados desta forma os arrependimentos tempestuosos.
Na proveta desidade, onde os olhos se
atravessam na sela de um unicórnio acinzentado, os folhos vinham carregados de
vestígios de marés outras. Era possível inventariar essas marés. Meticulosamente
catalogá-las, como se fosse preciso organizar os lustres que emprestaram
luminosidade e desorganizar (no sentido do olvido) os açoites que se tinham
despenhado com pouca parcimónia sobre o dorso dorido.
Prosseguia a demanda: ao descer a avenida,
agora despida de árvores e mandamento de arquitetos desejando a posteridade, as
portas pareciam todas iguais. Na igualha dos mastros desalentados, os rostos
eram febre de melancolia. Não desisti. Continuei a descer a avenida. Podia ser
que um vagabundo rudimento fosse arvorado no mastro mais alto onde tudo o
demais podia ser orquestrado na bondade das mãos. Apeteceu subir ao lugar mais
alto do edifício que era miradouro da avenida. O mais certo, era a entrada
ser-me impedida. Não deixei que o oráculo fizesse a vontade a si mesmo – e,
ali, jurei feroz batalha contra o contorcionismo do oráculo, sabendo que ele
era um estorvo à trama que queria ser meu devir.
Avancei. Fui subindo os andares, uns atrás dos
outros, amparando a mão à balaustrada marmórea. Quase no sopé, uma porta
fechada parecia ser o derradeiro estorvo. Combati outra vez os maus presságios
que o oráculo queria contaminar por dentro das veias. Encostei a mão à porta. A
porta entreabriu-se, a custo; talvez estivesse entrapada, ou a ferrugem do
desuso tomasse conta das dobradiças. Empurrei-a, à força, e a porta desvendou o
miradouro. Tinha a avenida a meus pés. O que não tinha um interesse por aí além.
Não era a impressão de suserania que vinha ao meu corpo. Nunca quisera ter impérios
de nada e já não tinha idade para grandiloquências estéreis, mais próprias da
inanidade da adolescência.
Apreciei a paisagem. Demoradamente, os olhos
passando em revista os edifícios que bordejavam a avenida nas suas duas
margens. Entardecia. Antes que viessem ao regaço outros lamentos, deixei o
trono fracassado atrás das costas. Não fossem oráculos contraindicados vingar
na espuma encardida da desmemória.
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