17.6.21

A elegância automática

 

God Is An Astronaut, “Infinite Horizons” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=V7I-33UgoDs

Aperaltados, os elegantes passeiam-se, ufanos de tanta elegância. Só as melhores farpelas têm concessão naqueles corpos. (Ou que se convencionou ter como melhores farpelas.) Estão convencidos que envergá-las é caução para a elegância automática.

Os elegantes acreditam que o leve cair dessas farpelas transfigura os corpos. Todos passam a ter a unção da elegância. Até os que são exagerados nas dimensões dos corpos e os outros que, disformes, são museus andantes da deselegância. (Aqui entendida como a antítese da elegância). Reconhecem nessas farpelas um sortilégio. Por um efeito que só forças sobrenaturais conseguem explicar, corpos que não se diria serem elegantes metamorfoseiam-se em paradigmas da elegância.

Os próceres da elegância frívola teriam de admitir que as mesmas farpelas podem aterrar no corpo de um boçal e que, por esse efeito, o boçal se transfigura num elegante. Dirão, em sua defesa (e sob juramento da sua própria incoerência), que a elegância não contrasta com a boçalidade. Sem perceberem, dão o flanco: pois a elegância seria sinónimo de castas superiores, não compatível a sua pertença com a admissão a concurso dos endinheirados boçais.

As contradições fazem o seu caminho. Os mandatários da elegância apavoram-se com as boçais exibições dos que não têm a devida linhagem. O dinheiro disfarça as fragilidades que, sem a sua caução, seriam obstáculo à admissão dos boçais no escol dos elegantes. Ficam longe da lucidez que seria advertência para a frivolidade da gramática da elegância. Afinal, ele há elegantes que começam por ser deselegantes mal abrem a boca ou se destratam em público. Mas usam as muito elegantes farpelas, que são o salvo-conduto da elegância automática.

Louve-se a magnanimidade dos jurados da elegância, aptos a admitir a concurso os que disfarçam a deselegância atrás do vitral da aparência. Democrático mais democrático, é difícil de inventariar. O democrático pesar não esconde os termos da contenda: quem quer ser elegante – nos termos dos curadores da elegância, ou noutros termos em que seja tratada a elegância – se a elegância é o idioma da frivolidade?

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