Podia lançar à água mil navios sem as letras maiúsculas a debruarem o casco. Provavelmente, falharia. Mas a tentativa é todo um poema que interessa reter. O processo de intenções. A linhagem dos ardis precisos para alinhavar a proeza. Saber se se tratava mesmo de uma proeza. Antes de apurar os augúrios, confirmados ou não.
Precisava de um leme. As mãos precisam de solo firme, não se agarram ao vento promitente. O leme dar-me-ia sentido. Sem ele, são vãs as tentativas de lançar mil navios à água, ou qualquer outra empreitada. Precisava de saber se o leme foi devidamente polido. Se não tinha arestas que pudessem calejar as mãos, conferindo-lhes a anestesia que é o tear dos fingimentos. Para não mergulhar nas profundezas de uma ilusão, convencido de um rumo que traz a lugar algum.
Às vezes, parece que as empreitadas perdem sentido assim que são concebidas. Dissolvem-se num jogo de sombras que as torna uma miragem, sem contornos que permitam às mãos agarrar-se. O leme não precisa de coordenadas milimétricas. Mover-se-á por uma ordem espontânea, que não obedece ao rigor matemático de equações laboriosamente fixadas. Mover-se-á, sem saber para aonde. Os mil navios lançados à água são os seus plúrimos intérpretes. E os sonhos já não são apenas uma medida líquida, abstrata, mas o aval de um fado irrepetível.
Não há ondas temíveis a assombrar os mil navios lançados à água. O inventário dos medos será emparedado por operários diligentes, a soldo das ordens bondosas que confundem política com poesia. Ou talvez não: a poesia não merece tamanha contaminação. Os navios, os mil navios sulcando os mares inteiros, serão como estrofes desenhadas na cartografia dos oceanos. Dizendo-lhes, em sílabas docemente ciciadas, que os mares são apenas o avesso dos pés que se firmam em terra sólida.
E o leme, à espera das intenções, luzidiamente inerte até que umas mãos sejam o seu depositário.
Sem comentários:
Enviar um comentário