25.6.21

I’d rather not (short stories #330)

Radiohead, “Weird Fishes/Arpeggi”, in https://www.youtube.com/watch?v=FcANFVcJeOM

          Antes que seja a armadilha a fala cantante. Antes que o medo colonize o sono. Antes que do desfiladeiro tenha a impressão como da cal viva sobre feridas abertas. Antes que os viveiros de profetas se escandalizem com o futuro que os recusa. Antes que feiticeiros a soldo desembainhem a artilharia contra os corpos sacrificiais. Antes que a boca experimente o ingrediente subjetivamente incomestível. (Podia ser trufas, ou hortelã, ou cominhos, ou sangue fervido.) Antes que a noite seja premonição de fantasmas à espera de serem esconjurados. Antes que o comboio encomende o fecho da passagem de nível. Antes que os frutos estejam tão maduros que esportulam a sua própria decadência. Antes que os olhos se cansem e deixem de ser testemunhas vivas de uma manhã vivaz. Antes que as bandeiras sejam apenas estilhaços e as pessoas consigam ser mais altas do que uma pertença. Antes que os despojos sejam incinerados pela maré seguinte. Antes que os beijos deixem de ser a gramática. Antes que as cinzas estiolem os rostos emoldurados nos vitrais. Antes que os relógios apareçam esmurrados. Antes que os labirintos sejam encerrados por crime de complexidade. Antes que as claraboias mostrem apenas o mundo puído. Antes que sejam as pontes as derradeiras fronteiras. Antes que os regentes sejam confiáveis. Antes que um salvo-conduto substitua os passaportes. Antes que o necessário seja eufemismo do ineludível. Antes que as braçadas no rio se afastem do cais e habitem um ermo. Antes que sejam gratuitas as compensações. Antes que se confundam as cores das palavras com paliativos. Antes que os poços voltem a ter fundo. Antes que seja herdada a meia-haste invencível para o futuro. Antes que amanhã seja apenas uma réplica dos muitos ontem: antes de tudo mais, o irrefragável desejo de ser partitura de uma moldura capaz.

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