Nunca percebi por que motivo os cartazes que dão caça a um foragido são encabeçados por um título, em letras contundentes, em que se anuncia aos possíveis salteadores de foragidos que o fugitivo é procurado “morto ou vivo”.
Morto, primeiro. E vivo, depois. Como se houvesse uma precedência lógica e a cadavérica forma fosse preferível à captura de um fugitivo vivo. Como se, através do cartaz, a pena fosse automaticamente aplicada – uma pena de morte sem contemplações. A vida de um foragido não vale por si mesma. O foragido vale tanto morto como vivo. Ou seja, antes morto do que vivo. Até porque, vivo, seriam ativados os mecanismos da justiça e toda a entourage ligada ao sistema teria de trabalhar, sendo dispensada só em caso de a captura do fugitivo coincidir com a sua morte.
O “morto ou vivo” ensina que há vidas que valem menos. Mas não é preciso evocar os cartazes que dão caça a foragidos para perpetuar a impressão de que há vidas menos valiosas. É só sermos espetadores do mundo que é uma deslição de si mesmo.
Mesmo os piores criminosos, contra quem há provas de crime e se espera apenas condenação (ou aqueles que, tendo sido condenados, tiveram a destreza de congeminar a fuga), merecem que a vida seja preservada. Não se conte com aqueles lugares que ainda mantêm a atávica pena de morte. Nos outros lugares a morte não é estipêndio do Estado e dos seus agentes (ou de quem, a seu soldo, meta as mãos a uma encomenda).
Dos cartazes devia constar “procura-se, vivo” – ou, na pior das hipóteses (porque o foragido pode dar luta ao sentir-se acossado), “vivo ou morto”, por esta ordem. Para aqueles que ensaiam a justiça como um ato vingativo, a sublime vingança sobre o criminoso é a que o obriga a dilacerar-se em privação de liberdade por muitos e maus anos. A morte é um favor que se faz ao foragido. Não se adivinha que estes julgadores pelas próprias mãos sejam amigos dos criminosos que fugiram da justiça.
Os que reivindicam a feição vingativa da justiça não percebem a contradição em que caem ao aceitarem qualquer meio (vivo ou morto) para se atingir o fim (a captura e sucessivo aprisionamento do fugitivo). É o défice de quem pensa muito atrás no tempo.
Sem comentários:
Enviar um comentário