O assunto não está terminado. Vamos só fazer um desvio, tomar aquela estrada lateral e prometemos que depois regressamos à encruzilhada. Não é um ponto final. Enxerta-se outro capítulo na conversa e assim temos matéria-prima para enriquecer o assunto principal. Ou podemos apenas estar equivocados. Podemos fazer um desvio que é isso mesmo, um desvio que arruma o essencial e escolhe o acessório. Podemos ser apenas fautores de um novo ponto de Arquimedes e, mesmo sem ser intencional, invertemos os nomes das formas: o principal é desvalorizado ao patamar de acessório e um acessório qualquer transforma-se em prioridade. Por isso, metemos um ponto e vírgula na frase. Adiamos o seu estertor. O que interessa se a frase tem um epitáfio? Não acontece com todas as frases, o seu epitáfio silencioso que passa ileso no reconhecimento das pessoas? Somos contra estertores. Prolongamos a vida útil da frase. Depois do ponto e vírgula, usamos dois pontos e depois um travessão se quisermos ser fiéis depositários da frase que se demora. Provavelmente não sabemos que estamos a arrastar a frase, deixando-lhe uma herança de hermetismo que não capitaliza a favor da sua clareza. Porque somos – quem sabe? – contra a morte das coisas e não queremos ser os algozes que as condenam à sua finitude. Que a empreitada seja deixada a outros e nós, ingenuamente, recolhidos ao fingimento da perenidade. Podem-se suceder pontos e vírgulas, numa eternização loquaz da frase. Não metemos as mãos no abismo sucessivo. Transigimos na farsa que se levanta do nevoeiro em que a frase se enreda. Oxalá não houvesse tabus. Oxalá não fossem os medos os tiranetes que nos obrigam à dissimulação. Seríamos capazes de olhar de frente para a frase, dissolvendo os seus caprichos (e os nossos, por igual medida). Desistiríamos, a tempo, do ponto e vírgula.
4.6.21
Ponto e vírgula (short stories #325)
Jeff Buckley, “Lover, You Should’ve Come Over” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=vLHcHWDvgfQ
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