13.9.21

A metamorfose do curto prazo

BADBADNOTGOOD, “Beside April”, in https://www.youtube.com/watch?v=aqJxKXO0TEk

Um sentido para o efémero: é pela partitura que se colhe o instinto que leva vencimento sobre o demais. Hedonistas de franca cepa não se escondem do efémero. Dizem de sua justiça: pois se amanhã ninguém sabe se andamos por cá. Navegam por estima. Aproveitam as marés, um sortilégio vertido nos códigos cifrados que são a exegese das marés.

Do curto prazo reza um interminável somatório. Desenganem-se os tolos que alinham pela embriaguez da planificação: qualquer prazo que não seja curto perdeu o prazo de validade antes do tempo. Esgota-se na sua simples ideia. Não são os dotes de prestidigitação que arrumam o sentido de um prazo que não seja curto. Ao contrário dos anátemas vulgarizados no tempo corrente, a glorificação do curto prazo não equivale a vistas curtas. É o reconhecimento da matéria intangível que é o prazo que ultrapassa o efémero.

Às vezes, a sucessão de curtos prazos, desde que dotada de coerência interna, totaliza um prazo que supera o efémero. Os que glosam a sensatez que se supera ao curto prazo encontram aí uma prova de como o efémero não tem identidade própria: o seu somatório transfigura-o em médio, porventura em longo prazo. A confusão volta a tomar conta do palco em que se movem as pessoas. Deixam de identificar a fronteira nítida (assim o julgavam) que separa o curto prazo dos prazos que vão para além do efémero.

Os hedonistas cavalgam no dorso do efémero. Inspiram-se nessa liberdade. Protestam a inocência quando os outros esbracejam a sua frivolidade. Os que se lhes opõem estão reféns de uma servidão que dissolve a vontade que é a paráfrase do efémero. Contrariando os seus opositores, os hedonistas reclamam o melhor conhecimento da finitude da vida. Ela é o verso acabado da finitude. Convoca o seu sentido efémero, a constante que atravessa a linha do tempo que separa o parto da sepultura. 

Aos que pretendem a transfiguração do curto prazo numa dimensão de que invocam o palpável, os hedonistas contrapõem que o prazo que vai além do curto é que se transfigura. Pois mesmo no somatório de instantes que compõem a tela do prazo médio, ele é, por definição, uma soma de curtos prazos alinhados com uma determinada coerência. 

O efémero não perde a identidade. A dimensão que se opera no cúmulo de muitos efémeros é que se torna a variável dependente.

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