A angústia era uma fia métrica baça, atirada sobre o chão em que posava. Podia desestimá-la. Os nós dos dedos eram a argamassa que se insubordinava na tradução dos contratempos. Insistia: poucas vidas há piores. Depressa se esquecia.
Não passava pelas hipóteses ser um juízo extravagante. Um exagero, como as pessoas normais são achacadas aos exageros. Consomem-se em modestos episódios que compuseram a pauta dos sobressaltos e extravasam as dores consequentes. Um observador imparcial diria: é pena que assim não seja quando os acontecimentos se abatem por simetria e, em vez de matéria-prima para angústias, um acontecimento fulgurante devia ficar embalsamado para memória futura. Mas depressa se dilui no vértice da desmemória.
Na bolsa de valores das posturas, estão em alta as que se conduzem pelo fio fátuo do negativo. O contraste não serve para sopesar, pois ao avesso não é imputado o crédito devido. Um sobressalto que desarruma os alicerces demora-se em cicatrizes. Uma proeza, uma gratificação, depressa são tomadas pelo esquecimento. É como se as coisas boas fossem inatas e, por isso, depressa são destinadas ao logro do desvalor. As más eternizam-se à janela dos sentimentos. São o fermento válido que as torna numa dimensão excessiva.
Dizem (atentos leitores das almas alheias) que os olhos já nem sequer se marejam no púlpito das angústias abundantes. É sinal de que o jogo está viciado. Pois nem sequer as dores compungidas funcionam como o punhal que se crava fundo na carne, sangrando-a. As pessoas são um ardil de si mesmas. O jogo está viciado porque as pessoas estão viciadas na adulteração dos sentimentos. Um grama de angústia pesa mais do que um quilo de fortuna. E um quilo de fortuna devia ser aparado por menos cicatrizes do que uma tonelada de infortúnios. Mas não é.
O placebo ataca desde a ossatura, agigantando-se à medida que sobe à superfície e coloniza a pele. As pessoas convidam-se para a angústia, chamando-a a ocupar o seu lugar no palco, vertiginoso e vulnerável, onde são apenas figurantes. Os olhos desprovidos de lágrimas são o alfabeto da adulteração do ser. A vontade deixa de ser a tradução da autonomia. Reconstitui-se num simulacro.
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