A alma hipotética filia-se no cabaz das possibilidades. Ideia-se com os dedos avulsos que se subtraem ao ninho do tempo certo. Recusa a reprodução dos tempos vários que se somam na finitude da existência havida. A alma hipotética arma-se de hipóteses e as interrogações sucessivas são o seu ornamento centrípeto.
Se a alma fosse hipotética – pressente a alma hipotética que se agiganta na levedura de um ensaio – em quanto seria diferente da alma que lhe serve de equinócio? A alma hipotética é o avesso da alma que lhe dá origem? Para ser parte íntegra do elenco, a alma hipotética convoca um barómetro de dissemelhança. De outro modo, não seria uma alma hipotética, apenas o eco da alma conhecida.
À alma hipotética só interessam as interrogações. São o seu ponto de partida e a escala onde o pensamento que se especula quer âncora. Através da alma hipotética, um ser pretende sê-lo de outro modo. Recusa o ninho columbófilo. Não quer que a alma especulada se enraíze na repetição dos dias e das palavras.
A alma hipotética precisa de uma arma. A arma hipotética desafora os preconceitos e as recusas militantemente ajuramentadas, que precisam de uma saraivada de balas para serem reduzidas a nada. A alma hipotética não consegue medrar se não forem destruídos os alicerces da alma que lhe dá origem. Apesar deste vínculo (sem uma a outra não tem fundamento), elas não se identificam. A alma hipotética é um desenho (melhor se diria, um esboço) com as latitudes ainda disformes, os rostos limítrofes que são silhuetas sombrias, as palavras que não se libertam do remoinho.
A alma hipotética não tem paradeiro. Levita nas possibilidades que se desarrumam entre a ordem caótica que é mais um presídio – como se houvesse no tempo dado os interstícios quiméricos que ensinam segredos. Em vez das almas sextantes, a alma hipotética amotina-se contra o passado e não espera fundos do futuro em linha de espera. Pois ela não passa de uma possibilidade, fundeada num cais que não tem rima com esteios.
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