A floresta povoada pelos sonhos estava à frente das mãos, pedindo a água que precisava para ser fruída. Os pés avançavam, sem temor, mas errantes. Parecia anestesiado. Ou inebriado pela vegetação luxuriante, ou apenas pela impressão de desmatar um chão nunca dantes pisado por almas humanas.
Crismou-a como floresta dos sonhos. Naquela tarde, ao perder-se sem perder o norte, soube dos sonhos emoldurados graniticamente nos fiordes da memória. Inventariou-os. Deu-lhes arrumação, como se a floresta fosse a biblioteca dos seus sonhos e nela houvesse estantes criteriosamente escolhidas onde cabiam os sonhos em sua ordenação. Soube dos gatos fugidios, das palavras esquecidas, das pessoas movediças, dos amores e dos desamores, dos temores desarrazoados, das contrapartidas, dos laivos de diplomacia (insistia que a vida é um contínuo exercício de diplomacia), dos estuários demandados, das juras arrependidas – de muito mais que desfilou, em velocidade vertiginosa, diante da tela que se compunha no olhar.
O caminho errante levou a uma clareira. Era como se houvesse uma quarentena na floresta e, naquela clareira, as árvores não medravam. A vegetação rasteira, uma mistura de arbustos avulsos, era a única prova de vida admissível na clareira. Teve medo do vazio aberto no meio de tanto arvoredo. Parecia que aquele lugar participava a misantropia e as árvores recusavam-se a estacar naquele pedaço de terra. Ou podia ser que um cataclismo qualquer, numa era quaternária (por exemplo), tivesse esterilizado a clareira e só a vegetação rasteira conseguisse irromper entre o chão pútrido. E pensou: às vezes, os sonhos perdem-se num alpendre onde os esperam os intérpretes de um pesadelo.
Não sabia se estava perdido no meio do denso arvoredo. Por vezes, avançava com esforço, tinha de desbravar os arbustos que se colavam à pele das árvores e impediam o chão. E não é isso a vida? A vida não precisa de sonhos para se consumar.
Enquanto apreciava o efeito quimérico da luz do sol irradiando entre os rasgões permitidos pelas ramagens, compreendeu que a vida sobe a um púlpito quando ela própria se traduz num sonho.
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