Não percebia a utilidade dos cataventos. O vento não se deixa aprisionar. Como podia alguém ter inventado um instrumento que teria serventia para apanhar o vento?
Assim andava, entretido com minudências. Era o truque para se distrair das coisas sérias do mundo, daquelas que – ensinam os bons costumes – são as que interessam. Não queria saber dos desandamentos da política, nacional e internacional, nem dos meninos ativistas de causas neófitas diligentemente fabricados por ativistas de outras cepas geracionais. Não queria que lhe contassem as invariáveis desgraças que mutilam o bem-estar dos bons costumes (entre uxoricídios e corrupções, lenocínios e brutalidade vária, e bestuntos comentadores). Dispensava as imagens dos noticiários que poluíam o imaginário e hipotecavam o sono (sobretudo quando o povo, emergindo da sua profunda, ignara condição, estaciona às portas dos tribunais reclamando justiça pelas próprias mãos contra um facínora à espera de julgamento).
Queria uma anestesia. Divagar nas águas habitualmente tidas por improfícuas, aquelas onde navega o pensamento inquisitivo. Queria poder viajar em viagens imaginárias, tecidas por dentro do pensamento, à boleia de interrogações sucessivas, nem que elas se vertessem sobre as banais coisas que, todavia, não quadram com a frivolidade que campeia nas revistas da especialidade. Por isso, os cataventos. E os ventos que, paradoxalmente, não se deixam aprisionar. Haveria de haver uma razão para os cataventos terem sido inventados. (Daqui se deve descontar a possibilidade de serem sinais que exibem a direção e a força do vento, com utilidade para a navegação nos mares e pelos ares.) Nem que a demanda arpoasse uma singela descoberta: os cataventos não passam de objetos decorativos.
Assim andava, propositadamente distraído do mundo exterior, num ensimesmar heurístico. Talvez fosse um qualquer osso vetusto a dar de si. Um osso, contudo, minúsculo, mas com a maresia tóxica dedilhada pelo mundo na sua face contemporânea a causar as dores reumáticas que o indispunham para conviver com a atualidade. Daí à misantropia ia um pequeno passo. Antes isso, e a perceção dos cataventos como adornos, do que a contaminação do mundo à sua volta. Bendito osso vetusto.
Sem comentários:
Enviar um comentário