9.11.21

Viciados no presente (short stories #366)


Ólafur Arnalds, “Woven Song”, in https://www.youtube.com/watch?v=oOsuploHPjk 

          (Libreto) Ó empenhados no futuro, caudilhos do pretérito, tutores das clepsidras que anunciam as horas do mundo: vistam o avesso e desautorizem a condição imprecisa do tempo. Não procrastinem o tempo presente, convencidos que o destino se fará no fio do futuro. Não adiem o tempo presente os que afocinham na nostalgia e não sabem viver a não ser na espessura gasta de um tempo que foi consumido pelo próprio tempo. Sejam hedonistas do vosso tempo conjuntural. Tomem-no como se fossem forcados numa pega de caras, com a bravura que se exige para não virar a cara a tudo o que o tempo presente nos traga. Desalinhem do pretérito sem banalizar as lições do passado. Demitam-se do porvir por não saberem de que textura será feito. Todo o tempo gasto na devolução impossível de um passado e na antecipação de um futuro impreciso é um ultraje ao único tempo que não se escapa entre os dedos das mãos. É este tempo presente que de vós exige um vício salubre: sejam viciados no presente e anulem as investidas conspirativas das dimensões do tempo que ora ficaram emolduradas ora se aprestam a ser tempo presente enquanto o não são. Fujam das promessas vãs dos tempos que não pertencem ao presente, das venais juras de futuros incertos ao gosto vazio de um pretérito resgatado a um tempo inerte. Sejam viciados no presente e esgotem-no por dentro, sabendo-o inesgotável. Se preciso for, reinventem as medidas do tempo. Obriguem um minuto a transbordar sessenta segundos. Adiem o porvir em cada aditamento ao presente. Não se envergonhem da navegação por estima. Não intuam a liberdade castrada pela opressão do tempo que se decompôs e do tempo que não passa de uma jura inverosímil. Vistam a vossa melhor máscara de hedonistas. Não precisam do avesso para nada.

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