Alguém avisou que ia tirar o dia porque não se sentia bem. Deduziu-se que seria de deduzir um dia laboral. Um dia a menos a crédito do empregador. Se os sinais matemáticos não enganam, um dia a menos para quem dá emprego é um dia a mais na contabilidade do trabalhador. Como se fosse possível, por inversão matemática, acrescentar um dia na vida de quem tira o dia porque não se sente bem (ou porque, aldrabão, arranjou um pretexto para fazer a vontade à indolência, inominável inimiga da rotina do trabalho).
Em sentido literal, é impossível tirar o dia. Quando alguém anuncia que tira o dia para faltar ao trabalho, tira-o do crédito que o empregador tem sobre o trabalho de quem contratou. Mas o dia não é tirado do calendário, como se fosse possível saltar diretamente de um domingo para uma terça-feira sem parar no apeadeiro da segunda-feira. Outro tanto se dirá da contabilidade na ótica do trabalhador: o dia tirado ao trabalho é para usufruto pessoal, seja porque um achaque o impossibilitou para a função, seja porque se escondeu num ardil por a preguiça ter falado mais alto. É para usufruto pessoal, mas não se acrescenta à sua conta pessoal de dias – um exercício labiríntico, preso às malhas da impossibilidade, por se tratar de uma contabilidade que só se pode arrematar quando se deixou de fazer parte dos vivos.
Tirar o dia é um logro. O dia não se tira e põe como se fôssemos os tutores do tempo. Ou como se o tempo fosse indulgente com os nossos caprichos. Quando se diz “tirar o dia” é como se houvesse uma súbita hibernação do tempo e de nós não se esperasse coisa alguma durante o dia que foi diligentemente suspenso do calendário.
Seria um exercício, interessante e especulativo, fazer a cartografia dos dias tirados (sem importarem as causas que lhes deram origem). Seria como ver um calendário desdentado por cada dia que tivesse sido (re)tirado ao calendário. O melhor critério, para evitar as cáries galopantes do calendário, seria patrocinar uma reinvenção da expressão idiomática para que “tirar o dia” fosse banido do património dos lugares-comuns.
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