Dos efeitos termais: alguém contaminado por interiores águas poluídas vai ao encontro das águas termais. Deseja que as águas termais reparem as suas poluídas interiores águas. É como se as suas adoentadas águas estejam calcinadas e espere que a fonte termal as purifique. Presume-se que as águas termais têm este efeito heurístico, que são brancas águas que limpam as águas tomadas pela escuridão. Faz-se preto no branco. Mas não é o preto que tinge o branco; o branco exerce um poder curativo que desocupa o negrume do que era o seu lugar. Ainda não percebi por que os tutores do politicamente obrigatório – que vigiam de perto o idioma, inspecionando meticulosamente expressões idiomáticas que devem ser rejeitadas ou, pelo menos, reinventadas –não se insurgiram contra o “preto no branco”. Talvez porque haja uma saída alternativa do labirinto semântico: invoca-se o “preto no branco” quando uma dúvida ganha esclarecimento. O efeito termal é sobre o conhecimento, ou a interpretação que dele se tem. O branco é o vazio, à espera de completude. A completude é servida pelo preto que se lhe apõe. Só então o branco ganha significado. O branco sozinho é apenas uma folha de papel vazia, guardando o potencial do que há de vir a ser se o preto se justapuser. É o preto que ganha significação. O preto que atribui completude. O preto-superior e o branco-dependente. Porque o branco, quando nidifica na sua solidão, é um nada de que nada transpira. Poderá ser um convite a que alguém desvirgine o branco se lhe apuser palavras escritas a negro, ou um desenho a carvão. Só então a página deixa de ser o vazio do vazio, preenchida pelo preto que lhe empresta vida própria. Afinal, os que tutelam a reinvenção das convenções não têm de estar preocupados com o “preto no branco”. Pois é o preto que se deita no branco e se mostra seu superior.
26.11.21
Preto no branco (short stories #368)
The Divine Comedy, “The Best Mistakes”, in https://www.youtube.com/watch?v=0U8rzcXeN_0
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