19.11.21

Peso pesado

Dry Cleaning, “John Wick”, in https://www.youtube.com/watch?v=yKiaHxYaVqs

O pesado peso que precede uma fama confere direitos de outro modo banidos à vulgar pessoa. É o desmentido (não oficial) da igualdade. 

Noutros haverá atitudes que soam a descaramento, inadmissíveis que se tornam ao olhar vulgar. Aos pesos pesados tudo se consente. Com a ajuda de hermeneutas que dedicam os seus melhores esforços a agilizar teorias complexas que provam a normalidade do comportamento que seria soez se não tivesse partido de um peso pesado. A pose senatorial e o reconhecimento consensual cuidam do resto. Cuidam, sobretudo, de normalizar o que nos demais seria motivo de áspera censura.

Aos pesos pesados são devidas deferências. Terão oferecido um contributo inestimável para a edificação social. O que os torna credores do respeito dos restantes, elevando-os a um olimpo que os endossa para um panteão significativo onde só os eleitos têm lugar. Aos outros, inapelavelmente situados na base da pirâmide, destina-se a imperativa vassalagem aos pesos pesados. Que se tornam cada vez mais pesados com o andar da idade – pois a meias com este viés vinga o convencimento de que a idade é um posto.

A um peso pesado não se pede corroboração das ideias ou das palavras. O estatuto garante que essas ideias ou palavras são inatacáveis. Ganham uma espessura de verdade, com a cumplicidade de quem os pajeia. Talvez por o saberem, os pesos pesados servem-se do estatuto e da pose senatorial para arrogantemente se colocarem três degraus acima do demais. Dizem; e ao dizerem, são incontestáveis. Porventura o consenso emergente (o que quer que isso seja) considera-os inabaláveis em virtude do seu pesado peso, que os torna inamovíveis. Os elefantes não se carregam com o músculo de um braço. Tornam-se avidamente desastrados se os deixarem andar à solta no nosso frágil palco composto por porcelanas. E nós aplaudimos quando eles estilhaçam a louça em palco.

Os pesos pesados desmentem a frugalidade dos pressupostos e a humildade das proclamações. Os imperativos categóricos são contestados pelo diamante em bruto da filosofia. Ao que parece, a filosofia desconhece os pesos pesados e quão pesados esses pesos são. De outro modo, a filosofia aprenderia que não se ergue uma vírgula de contestação aos pesos pesados. A última coisa de que precisam, é de uma dieta gnosiológica – sob pena serem levados em mão até ao bordão da extinção.

Este seria o destino que melhor quadrava com o mais inestimável serviço que os pesos pesados podiam prestar.

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