11.11.21

Sobre o hastear do dedo do meio (considerações avulsas sobre uma metáfora gestual)

The Cinematic Orchestra (feat. Roots Manuva), “All Things to All Man”, in https://www.youtube.com/watch?v=aG_HnSYBztY

Há gestos que valem mais do que palavras e correspondem a uma contundente fala através do silêncio. Erguer o dedo do meio como representação fálica é insultuoso. É para isso que estamos formatados. Ou mandamos alguém usar a representação fálica do dedo do meio, ou sugerimos que essa pessoa seja usada pela representação fálica do dedo do meio do ofensor ou de outrem.

Mandam as convenções que se interprete o hastear do dedo do meio como uma injúria dirigida ao destinatário da metáfora gestual. E devê-lo-ia ser sempre? Na comunicação que usa signos visuais (como na que depende da fala), estabelece-se uma relação sinalagmática entre o emissor e o destinatário. Quem ergue o dedo do meio, preso como está às convenções, sabe das suas intenções: injuriar o destinatário do gesto, encomendando-lhe o sofrimento (ou a humilhação) próprio de quem é flagelado pela representação fálica do dedo do meio. Parte-se do princípio (talvez errado) que o sexo é uma flagelação. Quando o pressuposto é errado, o resto do raciocínio é imprestável. Contaminando a metáfora gestual.

O embaraço desta representação metafórica, que pode desconstruir uma convenção firmada na linguagem gestual, é o entendimento do destinatário quando alguém lhe aponta o dedo do meio. O autor do dedo do meio não pode adivinhar a reação do destinatário. Este pode interpretar o gesto como a sugestão que, ele próprio (sendo do sexo masculino), dê uso ao falo. À partida, não recusará o convite, a menos que tenha passado o prazo de validade e já não o consiga exercitar para a função. 

Mas a pessoa a quem se destina o dedo do meio pode ter uma hermenêutica diferente, colocando-se na posição passiva, ou seja, da pessoa a quem o emissor do dedo do meio encomenda o falo correspondente (que será do próprio ou de uma terceira pessoa, não nomeada para os devidos efeitos). Mesmo neste caso, não pode o autor do gesto insultuoso dar por adquirido que essa será a interpretação da pessoa a quem o gesto se destina. Esta pode imaginar um prazer lúbrico incomensurável ao ser colocada na posição de quem é usada(o) pelo falo representado pelo dedo do meio. Termos em que a metáfora gestual, e o significado que ela encerra na linguagem dos comuns, se dissolve em nada – ou no oposto do que era pretendido: não é insultuoso, é um convite ao prazer carnal; é um gesto prazeroso.

A linguagem devia ser reinterpretada para não ser refém de convenções unívocas que excluem o sentido apreendido pelo destinatário de uma mensagem. O emissor, por sua conta, não devia estar preso a um sentido dominante que corresponde à sua linguagem. Se o souber, ficará ciente que muito depressa se esvazia o propósito de uma ofensa quando hasteia o dedo do meio, deste modo virada do avesso e transfigurada em convite ao prazer dos corpos. 

A metáfora do dedo do meio é um hino ao sexo como ato pecaminoso. Devia ser extinto do código de signos. 

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