16.12.21

De perto vejo ao longe

Idles, “When the Lights Come On”, in https://www.youtube.com/watch?v=nyLlswYB_zY

O rapto das emoções traduz-nos autómatos que não seremos. É o que afiança o olhar desembaraçado assim que a boca sente as cores arrematadas pelo miradouro. Às vezes – dizes – temos de chegar a ser lonjura para nos vermos de perto. E insistes: os paradoxos nem sempre o são.

As ruas alindadas pelas festividades advertidas pelo calendário ensaiam uma estranheza que se entranha nos corpos. Povoados por um torpor que os anestesia, arrastam-se convencidos que o tempo não corre segundo os seus termos. Ficaríamos lívidos se não fosse um estremecimento que se levanta com a aurora (e não é pelo frio matinal). Os ossos túrgidos insubordinam-se contra a sonolência que subsiste. Isto não é vida – dizes, como se houvesse na manhã o argumentário da indolência.

Saímos. Apenas saímos. Não sabemos aonde vamos. Precisamos do frio da manhã, do orvalho que enfeita os relvados à volta, das pessoas que, contrariadas, vão a caminho do trabalho, do seu silêncio compungido que nos motiva para a fala. Precisamos de tudo isso, como se nos amotinássemos. Arregaçamos o dia contra os oráculos que diriam ser inverosímil fazê-lo. Mudamos o rosto do dia com a vontade que inventariamos. Compomos as mãos com a maresia que sobe a preceito. Na embocadura do rio, pequenas embarcações de pescadores desafiam a convulsão do rio contra o mar encapelado. Os réditos que mantêm as famílias não escolhem contrariedades. Fomos feitos para desafiar as contrariedades.

Hoje apetece-nos um lugar que não consta da nossa cartografia. Um lugar nem que seja perto, que ninguém, por conhecedor que seja de um lugar, aspira a conhecê-lo como as palmas das suas mãos (segundo os lugares-comuns do idioma). E quem as conhece como as palmas das suas mãos? Há conhecimento de alguém ter feito uma cartografia minuciosa das suas mãos para se afirmar, a favor de uma expressão idiomática, que conhecer as palmas das mãos é a caução de uma metáfora?

Não interessam os descaminhos do idioma. Se falássemos sempre por metáforas talvez tivéssemos perenes palavras cruzadas por decifrar – como se não chegassem os embaraços constantes na comunicação entre as pessoas. Entretemo-nos com as pequenas, irrelevantes coisas. Esse é o desfado da humanidade. 

Se ao menos soubéssemos ser como os pássaros e voar, o olhar panorâmico seria o aval para a visão de conjunto. Mas não voamos. O mais perto que ficamos de voar é quando ascendemos a um miradouro. Dizes: devíamos fazê-lo mais vezes.

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