7.12.21

Sudário em chamas

Red Hot Chilli Peper, “Scar Tissue”, in https://www.youtube.com/watch?v=mzJj5-lubeM

Que aroma obstinado adultera os pesares? Parece uma banda desenhada, as cores artificiais que decaem para uma sonora sobriedade quando a noite se ocupa dos lugares e as almas se encolhem de medo. Dizem: ninguém sabe se o sono é o derradeiro. E o medo atabalhoa a pele como o cósmico desmatar dos vultos que assoreiam os sonhos. 

As falas não passam de monólogos que se evaporam no entardecer.

Todas as gotas de suor seriam imprestáveis, em todo o caso. Por muito que os poros exsudem, devolvendo ao exterior uma certa cicuta que envenena as veias, a infecundidade do ato prevalece. As migalhas espalhadas pelo chão não têm nome. Às tonturas não é preciso um lugar altaneiro. Tudo o que se consome em chamas é o sudário. As mãos não procuram dilacerar o fogo. Folgam as cicatrizes, empenhadas em provar que o suor é combustível.

Depois há aquele quadro de Munch que parece ser retirado de um pesadelo vulgar, um pesadelo que ocupa os teares mentais de toda a gente. O grito não emudece nem com os apalavrados fingimentos entre os confrades. Eles sabem que não sabem evitar o grito e tiram à sorte um deles para isolar o som medonho dos demais, assim contrafeitos. Suam em barda, o suor inteiro emaranhado nos poros das roupas, e os rostos estão seráficos como se nada houvesse de convincente na sua periferia.

Do esconderijo ouve-se um murmurar contínuo. Não se percebe se é uma prece remoinhada ou um lamento verossímil. Podiam organizar-se caçadas que as vozes lúgubres não seriam inventariadas. Que desistissem das intenções de dizimação dessas vozes guturais. Por mais que fossem as lágrimas, talvez transfiguradas em suor, não seria possível admitir os rostos e os corpos dessas vozes a concurso. 

Os espantalhos não se acotovelam à toa. Fingem que são matéria inerte, morta. Como muitos vivos não passam de vivos-mortos. Ou mortos antes do tempo, sem o saberem. Deles não se espera nada. Nem um sudário de onde bolçam os remédios que fortificam os corpos contra os contratempos desassisados. 

Deles não se espera a não ser um nada. 

Sem comentários: