1.12.21

Os russos não bebem vodka e outras falácias que tais

Ólafur Arnalds, “The Final Chapter”, in https://www.youtube.com/watch?v=rUL04sHIVhI

Os sinos repicam e não é por haver finados. Repicam como uma homenagem ao avesso à desonestidade intelectual. Alguém disse: “eu não gosto de discussões, porque há muitas falácias a contaminá-las à partida.” Se as pedras se retirassem e ficasse apenas o estuque, tudo seria candidato à próxima ruína. Em vez disso, aperaltados trovadores da retórica emprestam-se ao prémio da estultícia dominante. Do gongórico matraquear da palavra não se extrai o merecimento de causa, tantas vezes os argumentos se enredam em solilóquios que são a melhor maquilhagem para a honestidade em desuso.

Talvez seja melhor evitar as discussões. Sobretudo com aqueles que estão fadados para as vencer – como se entrar numa discussão fosse o mote para a levar de vencida. Tal seja o arquétipo, é condição prévia de um festival de distorcidos pressupostos. Quantas não são as ocasiões em que a discussão é previamente formatada por pressupostos alfaiate, aqueles que se preconcebem com o propósito não escondido de conduzir a discussão até ao pessoal triunfo? Como se tivéssemos de acreditar que os russos não bebem vodka como os árabes não ingerem carne de porco, só porque a imagem dos russos a recusarem vodka é condição de base para provar que eles são gordos (regra geral) por terem deixado de consumir vodka. A verificação empírica desmentiria o argumento e, acima de tudo, o pressuposto. Mas a Rússia continua a ser um lugar longínquo, não escrutinado pela observação direta do observador. É quando a mentira ganha terreno fértil.

Se somos pássaros, ao menos que nos seja concedida a graça de voarmos desagrilhoados, como é típico dos pássaros que não vivem em cativeiro. Os que se encerram em propositadas falácias querem engaiolar os outros que deles divergem. Não percebem que mostram, e antes dos demais, que são aves privadas de liberdade. A adulteração dos termos de uma discussão “só porque” é preciso levá-la de vencido é como passar um cheque em branco aos argumentos que se esgrimem sob a batuta do aleatório. Os seus fautores são pássaros enjaulados, reféns da sua própria indigência.

É mais importante ensinar nas escolas como devem os petizes proceder para não capitular perante as falácias que os seduzem. Mais importante do que a continuação da propaganda serodiamente nacionalista que narra as proezas de uma gesta inteira que, na fórmula oficial, deu a conhecer novos mundos ao mundo. Para que a História não seja um pedaço de falácia.

 

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