Não se diga desta corveia não saberei. Já não há escravatura (termos em que afiança que o esclavagismo foi abolido). Mas há trabalhos que açambarcam a vontade de quem os faz. São involuntários, porque não ouvem a vontade dos que são arregimentados a prestá-los. Pode já não haver esclavagismo, mas desta forma de escravatura não se escapa.
Acabam por ser forçados, esses trabalhos. Não se congeminando a vontade a seu favor, resultam num produto distorcido. Diz-se que a vontade entra em apneia e o sangue contaminado pelo desfavor da empreitada não corre a seu favor. Não se pode protestar se não pela omissão da vontade de quem devia recusar o trabalho forçado. Como se impõe à revelia da vontade, o trabalho forçado desagua num trabalho forçado.
A vontade de alguém não pode ser o único critério. Há outras vontades que são sopesadas. Quando duas vontades esbarram, a diplomacia aconselha concessões. Concessões recíprocas, em medida variável perante todas as circunstâncias que se jogam. A vontade de alguém tem de ceder perante a vontade de outrem. Não se estranhe que a vontade se omita para que seja possível desembaraçar-se a preceito da empreitada pendente.
Não sendo tempos de esclavagismo, é legítimo protestar contra trabalhos que se dizem ser forçados? O império do indivíduo adormece à sombra dos aromas que são a trama do grupo. Eis a mala posta para a hipoteca da vontade, encolhida porque o seu tutor é convencido do “bem maior” reivindicado pela voz que fala pelo grupo. O resto não conta (assim mandam os cânones): a legitimidade do porta-voz, a legitimidade da contenda que determina a omissão da vontade do indivíduo para que seja feita a vontade do grupo. Essa é a indigência do indivíduo: pertencer, ou ser convencido que pertence, a um grupo; e ser convencido que, na ordem de precedências, as suas prioridades devem ceder aos imperativos do grupo.
Os trabalhos são forçados sem assim serem reconhecidos. Do sangue em trânsito não se aproveita nada quando ele é endereçado ao gelo farto que fala em trabalhos irrecusáveis. A dança dos adjetivos deixa os indivíduos combalidos. À mercê de trabalhos que fingem não ser forçados, mas são-no. Do indivíduo sobra um nome. Apenas um nome.
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