Quem foge do dia e se esconde nas caves fundas da noite? A pergunta ecoa enquanto o pensamento nomadiza sem paradeiro. Diziam que é a noite que esconde os sortilégios. A noite que abriga o que as pessoas escondem enquanto são testemunhadas pela luz diurna.
À noite (dizem), investimos nos deslimites de nós. Arrumamos os preconceitos, então tidos como tolos. E esconjuramos as impossibilidades: a noite não transige com os minotauros que se levantam no estirador, à espera de milimétricos planos. É como se a noite encerrasse os exílios de que precisamos. Os exílios de que fugimos enquanto os corpos se mobilizam no dia.
À noite cola-se a saliva da transgressão. As regras emudecem na sua anestesia quando tencionam arrastar-se para a noite. É um território apátrida, onde as pertenças se dissolvem na igualdade a que se submetem os boémios, ou apenas os que se metem, noite dentro, na incomensurável sede de criação. Não há códigos de conduta: todos são espectros, sombras moventes que se apalavram na noite pródiga. Não têm medo que a noite os transfigure. Precisam da transfiguração tutelada pela noite, como se a noite e o dia fossem geografias opostas que dão cobertura à alma profunda escondia sob a pele.
Se as palavras temidas são caladas pelo dia, elas confessam-se livres à noite. Pois ela autoriza o desexílio, avessando a tela dura em que se compõe o dia. Os mapas ocultos desdobram-se nos dorsos nus e aclarados dos noctívagos, esperam pela atalaia que se extingue no povoado onde o sono se faz império. Até que uma matilha furtiva proclama a sua interior claridade, tanta que nem as trevas próprias da noite resistem. E ela não capitula nos corpos que teimam, sem se entregarem à exaustão depois da safra diurna que os deixou baças representações de si mesmos.
Mas eu, da noite, não sei nada.
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