Não adianta meter uma cunha ao medo: por cada verso desviado que se atravesse no viveiro do tempo, o futuro nunca deixa de ser futuro. E nós, iludidos, presos ao estigma das juras que se desmontam na finitude do tempo, a acreditar que algum dia seremos povoadores do futuro. Mas é o futuro que nos atraiçoa; é ele que nos povoa. Ele é sempre futuro e nós estamos três passos atrás. Dizemos que o tempo é furtivo, que empreende uma fuga contínua. Ou que ele se constitui, por esse sortilégio virado do avesso, “um inimigo no coração de cada um de nós” (Tennessee Williams). O que faremos? Talvez, hastear as tréguas. Já que, na ausência de tréguas, somos feitos de sangue contaminado pela esperança que não é aparentada com o fado. Escolhemos as armas para um combate desigual. E nem assim o combate deixa de ser desigual. Se ao menos conseguíssemos aprisionar os ponteiros dos relógios, ou sermos argonautas incumbidos de comandar o destino dos relógios, seríamos mecenas do tempo. Diríamos quando seria o apeadeiro do tempo vindouro. É um contrato fútil. O futuro é apenas uma miragem. Esgota-se quando se traduz em tempo tangível, no tempo efémero que se esgota ao ser palpável nos dedos. Esse é o futuro assim ajuramentado. Dele não digam os lugares-comuns, que o esgotam: não, ele não é a maresia da incerteza. É apenas a contingência do tempo por haver, uma contabilidade imperscrutável, o desejo de lá chegarmos, apenas. Chegamos sempre atrasados ao futuro. Sabemo-lo e gostamos que assim seja. Odeio quando pedem oráculos. O que seria do futuro se dele soubéssemos as bainhas? Seria uma farsa de futuro, desmembrado em múltiplas entorses de tempo sem matéria, só para saciar a voraz indiscrição dos mortais.
2.5.22
Chegamos sempre atrasados ao futuro (e outras minas semeadas pelo chão) (short stories #381)
alt-J, “The Actor”, in https://www.youtube.com/watch?v=uMdYQMH9Inc
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