Não cortamos a eito no abrigo que devolve as palavras dos outros à posse comum. Ouvimos as palavras pútridas dos regentes e tememos pela poesia. Pois a poesia também é feita das palavras que os regentes usam como arnês. E se há certezas arrematadas às interrogações (são poucas), é que os regentes não são tutores da poesia.
Descobrimos as palavras quiméricas que rompem com o labirinto da monotonia. Descobrimos até as que inventam a sua própria gramática, desconstruções do idioma que consertam os critérios da inventividade. É uma liga metálica que esbraceja contra o poder invocado dos penhores do espaço público, os que, por de si mesmos apenas inventariarem umas palavras, têm garantido o aval das artes. Esses não são regentes, são poetas de outrora. Comodamente investidos num estatuto, uma sinecura imorredoira – o posto da antiguidade. São poetas com cobertura dos regentes.
Os poemas dos outros aumentam-nos a alma. São inventores das palavras, os poetas. E com eles aprendemos que até o banal é poetizável. E aprendemos que as palavras se argumentam contra a falácia do tempo composto, num campo pequeno que é viveiro da fala remoçada. Em sucessivosbouquets atirados contra o olhar ávido dos ávidos consumidores de poesia – ou, dir-se-ia em versão necessariamente reformulada, os consumidores que sopesam a poesia embolsada.
(Para não haver o risco de a poesia decair na banalização.)
Aprendemos com os poetas que se insurgem contra o cânone. Contra os poetas que dormem à sombra do poder válido (a meio caminho entre a condição de poeta e a condição de já não regente, mas assumidamente senador da república). Contra os regentes que são atentados ambulantes à poesia, com a desimanigação de que são fautores. Aprendemos com as palavras dos outros que nos dizem que até podemos ser personagens por dentro de quem somos. Como se através da poesia regressássemos à escola para a reaprendizagem do idioma.
A poesia não devia pagar imposto.
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