16.5.22

Nossa Senhora de Fátima tem uma queda por dragões?

Pond, “Don’t Look at the Sun or You’ll Go Blind” (live at KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=UcXWCO2AB6Q

Os observadores do fenómeno religioso – que, do exterior, sem as peias da fé e as grilhetas dos dogmatismos, medem a temperatura da metafísica – acreditavam que a entidade divina e os seus embaixadores (apóstolos e demais santos) eram imparciais nos assuntos terrenos. A parcialidade é um viés que pode ofender alguns crentes, sobretudo se forem desfavorecidos pelo cânone escolhido pelos lídimos representantes de deus.

Estávamos todos errados (observadores exteriores do fenómeno e os crentes). Laborámos num pressuposto impróprio. A comitiva de um clube de futebol, depois de embolsar um título, parou no santuário de Fátima para agradecer a intercessão de Nossa Senhora de Fátima (e, por arrasto, ao que se julga, dos três pastorinhos também), ao regressar da tão vilipendiada cidade-capital após ter humilhado o maior rival. 

Rezam as notícias (sem segundo sentido) que o timoneiro da agremiação e o engenheiro das táticas montadas em campo oraram no altar da padroeira, em comovente ato de exaltação de fé. Terão agradecido o alto patrocínio de Nossa Senhora de Fátima que, muito provavelmente, terá metido uma cunha ao mais alto magistrado da fé católica, deus em pessoa (perdoe-se a heresia). A restante comitiva partilhou a epifania. Até os atletas muçulmanos integrados na comitiva não conseguiram evitar o efeito telúrico da graça que os timoneiros da agremiação reconheceram pelos santos ofícios da padroeira. 

Não há notícia da reação de Nossa Senhora de Fátima, e de deus em pessoa, à embaixada portista que não se esqueceu de orar em agradecimento da ajuda divina, sem a qual, possivelmente, o desfecho da competição teria sido outro. Não se sabe se Nossa Senhora de Fátima recebeu a embaixada portista de braços abertos, partilhando a celebração com a densidade própria do recolhimento exigível pela oração. A menos que os máximos representantes da agremiação desportiva incorram numa pagã superstição que mistura fé com crendice, que se erga o dedo acusador sobre Nossa Senhora de Fátima e o seu superior hierárquico, deus em pessoa, por darem parte de fraco quando tutelam jogos daquela equipa. É uma miopia insalubre, porque não se tinha deus e os seus discípulos sacros na conta da parcialidade.

Falta saber se o enviesamento não produzirá efeitos em cascata que possam enfraquecer a religião católica. Não se estranhe que gente de outras cores desportivas não tolere a preferência de Nossa Senhora de Fátima, e de deus. Não se estranhe que a sua fé saia contundida, ao darem conta da parcialidade incompatível com a natureza das entidades divinas. Ou então, os rivais hão de perceber que têm de orar no mesmo altar e suplicar a intercessão de Nossa Senhora de Fátima e de deus, por ela representado para estas minudências terrenas. Nessa altura, a parcialidade canónica de Nossa Senhora de Fátima e de deus ficará à prova.

Os outros, observadores desinteressados (porque ateus) da metafísica, poderão ter ficado embaraçados com o acontecido. Pois se deus não existe e Nossa Senhora de Fátima é a transfiguração de um extraterrestre (como há quem o defenda), a comitiva portista foi agradecer o quê?

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