A provecta ideia esbarra no parapeito onde o ocaso se adia. Precisamos de duas palavras, ou três, para amaciar o indesejo. Se à noite os contratempos são disfarçados pela penumbra, o melhor será tomarmos a noite como morada. Um cortejo de exemplos apetrecha a argumentação. Ou talvez não: muitos deles abraçaram-se de tal maneira à noite que morreram nos seus braços.
Os ares em que nos embebemos são a medida de nós mesmos. Não se aproveitam os ares pútridos bolçados por insuspeitos manadeiros de poluição. Não se aproveitam os ventos desassisados que trazem no dorso os maus ares que nos sitiam. Por sobre as contrariedades, sopesa-se o ar que é fabricado por dentro de nós. O ar de que somos, em circuito fechado, tutores únicos, nosso o habitat, exclusivo, de que somos arquitetos.
Podem cair turbantes sobre os rostos, escondendo-os na fortaleza onde só entram os que vierem por convite. Podem cair os turbantes, que os que tiverem acolhimento não precisam de mostrar o rosto. No lugar onde a admissão obedece ao princípio do direito reservado, esse é o único passaporte. Tudo o resto se desaproveita: a linhagem (a existir), o verbo gongórico, as aleivosias decantadas na fronteira depois de mostrado o salvo-conduto. Este é um lugar onde os ares são bons. Em espanhol: buenos são os aires.
Levantadas as mordaças dos que andaram no tirocínio da desliberdade, arremata-se o olhar contra a rudeza dos placadores de palavras. Eles jogam no tabuleiro do idioma como se fossem jogadores de rugby a quem ficou destinado destruir o jogo do adversário. Nós, que somos tributários dos buenos aires, mostramos a generosidade ao derrubarmos os placadores do idioma. Passamos-lhes as rasteiras que trazem a tiracolo o aplauso dos poetas. No lugar onde são buenos os aires, não se encontram os provérbios da decadência.
Às mãos sobem as pétalas perfumadas que colhemos nas poesias ao acaso. Não tiramos as rugas dos rostos, nem disfarçamos as mãos com um véu de mentiras. Temos em nós este sortilégio. Purificamos o ar em redor, até que se torne morada de buenos aires. E os versos falam por nós.
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