Resguardado no batel decadente a condizer com a decadência do cais, um copo na mão já só com os vestígios do rum, olhava para as calças que já tinham as bainhas puídas. Como não estava na moda nem tinha aspirações a estar, as bainhas puídas estavam fora de moda. Era a sua fortuna: não havia nada a fazer.
Mas isso não vinha ao caso. Não saíam da lembrança as palavras que debitavam em cima da memória, fermentando um arrependimento vil. Delas dissera quem as ouvira que tinham sido palavras intempestivas. Aguardou pelo pensamento. Se intempestivas tinham sido as palavras, elas tinham causado dano a quem as ouvira – teria sido isso? Emudeceu, à espera da organização do pensamento, ou que a pessoa que fez o diagnóstico das intempestivas palavras acrescentasse algo que o ajudasse. Montou-se um impasse.
E se foram intempestivas, as palavras? Seriam desprovidas de sentido? Avocou-as à memória, decantando-as, uma a uma e no sentido global da frase, para perceber se queriam dizer aquilo que tinha sido dito. Às vezes, somos atraiçoados pelos contratempos que se metem entre as palavras ditas e o seu sentido. Temos de contar com a polissemia e com outras contrariedades, como a capacidade hermenêutica de quem ouve as palavras. Dizemos coisas que podem ser treslidas. Podemos arcar com o ónus da desinterpretação dos outros? – interrogava-se, à medida que ainda esperava pela organização do pensamento ou por mais um passo de quem se considerava atingido pelas palavras.
São intempestivas, as palavras assim entendidas, mas são espontâneas. Não queria invocar a seu favor o destempero das palavras, como se elas não pudessem vir à superfície como produto da vontade do momento – como se não fosse necessário um certo caldeamento que metesse freio à primeira palavra que viesse à boca. Afinal, a diplomacia não é por acaso e não é apenas para as nações.
O impasse desfez-se. A controvérsia ganhou contornos. O contexto das palavras intempestivas ganhou forma. Fez-se diplomacia. O abismo que se abrira começou a ser contornado. Outras foram as palavras usadas para levantar a cortina de ferro encostada ao entendimento das palavras intempestivas. As interpretações foram cruzadas. Os argumentos, devidamente terçados, limaram as unhas que já estavam arregaçadas à espera da confirmação das palavras intempestivas.
O polimento, às cavalitas da diplomacia por outros modos, encarrega-se de prover a civilidade que tanta falta tem feito à História da humanidade. Para não se puir tanto.
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