25.5.22

Treze milhões de euros (o ministro campónio)

You Can’t Win, Charlie Brown, “Magnólia”, in https://www.youtube.com/watch?v=IISXSTKSRqQ

Ele há ministros trapalhões. Ministros que tropeçam nas armadilhas do idioma, de que são os próprios fautores. Ministros catedráticos divulgadores do Estado gongórico que não perde a oportunidade para mostrar como nós, cidadãos de meã condição, precisamos da sua sempiterna tutela. Ministros vindos dos cueiros da pátria, ainda presos ao sotaque rural, passeando a arrogância de quem detém o poder, como se a ministerial condição fosse a vingança por terem nascido rurais (e nós sem culpa do recalcamento).

(Suplicando neste momento a vossa condescendência, para não levar com a acusação de fascismo social – pois que estes arrivistas, eis que chegados ao lisboeta éden, se transformam em fingimentos de mui cosmopolitas personagens sem, contudo, perderem o verniz rural. Quem não se lembra de um malventuroso ex-primeiro-ministro?)

O ministro, estacionado diante das câmaras que o filmam e dos microfones que reproduzem doutas as suas palavras, perora sobre o morticínio nas estradas. Das causas e da irresponsabilidade dos condutores que insistem em fazer das estradas campos onde se situam como assassinos ou suicidas. Como lídimo representante da engenharia social em vigor, anuncia uma resma de radares para controlar o excesso de velocidade. Aqui começam as incoerências: dantes tinha identificado três causas da mortandade nas estradas: excesso de velocidade, condução sob o efeito de álcool em excesso e uso do telemóvel durante a condução. Os radares poderão, na melhor das hipóteses, prevenir a primeira causa da sinistralidade. Quanto às outras duas, nem uma palavra, nem uma medida redentora.

A páginas tantas, o ministro escorregou para o lugar-comum: “a vida humana é incomensurável” (e depois sentiu o imperativo professoral de explicar aos néscios o sentido de “incomensurável”). Dando um salto para o final da notícia, o plumitivo de serviço, certamente pegando nas informações fornecidas pelo ministro, amedronta os cidadãos com a estimativa do pecúlio do Estado depois de instalados os novos radares: treze milhões de euros. 

Afinal, a vida humana não é tão incomensurável como foi glosado pelo senhor ministro. As vidas humanas depostas no asfalto das estradas valem treze milhões de euros? Ou será apenas o Estado vigilante, infatigavelmente de atalaia para suprir as incorrigíveis fragilidades dos cidadãos, a esbracejar o fantasma da multa gerada pelos infalíveis radares, só para tornar as viagens mais vagarosas e, portanto, mais seguras? Falta saber (porque ninguém perguntou ao senhor ministro): o que prefere, embolsar treze milhões de euros e continuar a contabilidade dos mortos nos cemitérios a expensas das estradas, ou contabilizar uma receita inferior ao estimado? 

(Talvez a culpa seja apenas do plumitivo – e talvez ele seja o idiota útil de serviço: quem o mandou terminar a notícia com o valor previsto das multas cobradas pelos que forem apanhados em excesso de velocidade pelos novos radares, se o que deve estar em causa é poupar vidas para outras mortes que não na estupidez do asfalto?)

Ele há religiões para todos os gostos. Uns adoram deuses de diferentes cepas. Outros, substituem-nos pela omnipresença e perfeição do Estado, perenemente diligente na superação das tremendas imperfeições do ser humano. 

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