As aparições em público raras vezes vêm ungidas do sagrado que as aparições de anjinhos e santos precedem. Salvo um punhado de exceções (casos de mortais com momentos próximos da epifania que, pode-se dizê-lo, dão um contributo para a humanidade), as aparições em público democratizam a idiotia. Todos estamos sujeitos. Por isso, menos se compreende o afã de imensa gente anónima, desejosa de dar o salto para os cinco minutos de fama que, eventualmente, sejam a catapulta para uma presença mais regular no espaço público. Noa avaliam o poder destrutivo do efeito boomerang.
Parece certo que a idiotia por metro quadrado se tornou extravagante com a possibilidade de pôr a palavra à mostra, tornada democrática pelos avanços tecnológicos. Não que dantes não fosse possível. Já não vivíamos sob o jugo da ditadura e podíamos perorar livremente em público. Também aí ficávamos à mercê dos dislates que ou são meticulosamente programados na retórica ensaiada, ou apenas o produto de deslizamentos involuntários que estragam todo um discurso. Só que a propagação da idiotia ficava limitada à reduzida dimensão do espaço onde ecoava a palavra dita. Agora é diferente. A palavra é escrita e multiplica-se por todo o lado. Fica visível, para memória futura. Assim como a idiotia, inapagável na mesma medida.
O dicionário aclara que um idiota é aquele que é “pouco inteligente ou não tem bom senso; pateta; parvo; tolo”. Aos sinónimos, para o devido esclarecimento. Por exemplo, um parvo: alguém cujo comportamento é tido como “desagradável e irritante”. Ou um tolo: entre outras possibilidades (pois um tolo, de acordo com o dicionário, é dado à pluralidade) é aquele que “não tem sanidade mental”. De volta ao idiota, também se aprende que, além do acima pronunciado, é aquele que é “vaidoso ou pretensioso”.
Às vezes, toma-se o sentido de uma palavra pela sua significação aproximada. No caso de um idiota, pode haver a tentação de o tomar por alguém que tem ideias em catadupa, que, porém, se revelam obtusas, extravagantemente desusadas, ou risíveis. O dicionário desmente o sentido comum. Mas torna-se esclarecedor para o uso vulgar de “idiota” quando tropeçamos num iluminado que desfia a sua verve inconsequente, fazendo-se passar por catedrática autoridade no domínio sobre que perora: o bom senso rareia ao caldear as palavras que se amontoam num arremedo de pensamento, sendo autor, invariavelmente, de um pensamento desagradável e irritante, necessariamente pretensioso. Aparecendo como um tolo gratuitamente ao serviço da bazófia alheia nele vertida, como paga necessária pela contrariedade mental de que é inculpado. O pretensiosismo embacia o lugar circense em que se coloca. E sobrepõe-se, talvez, ao não insignificante detalhe da sua ausente sanidade mental.
E o pior de tudo, é que tudo o que acabou de ser exposto se pode aplicar, na fórmula latina popularizada pelos juristas (mutatis mutandis), ao autor que assim expôs o argumento sem ser em causa própria. Quem não quiser ser idiota, não deve sobre o idiota conjeturar.
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