27.9.22

A violência eternamente prometida

Rodrigo Leão ft. Federico Albanese, “O Método”, in https://www.youtube.com/watch?v=suZAzdZBRCs

(Mote: filme “Restos do Vento”, de Tiago Guedes)

Não deixamos de ser animais. Quando, na palavra animal, está embutido o selvagem arreigado no mais fundo do nosso magma.

Ninguém pode dizer que nunca foi testemunha de violência. Da violência habitualmente gratuita e da violência que as dilações argumentativas podem considerar como legítima. Poucos serão os que contestam o axioma da violência legitimada pelas circunstâncias que acabam por seu o seu pretexto. É inútil entrar na subjetividade dos critérios que legitimam a violência. O conceito de violência legítima é que está em causa. Ao levantar a cancela que a justifica, a liberalidade com que se procurar legitimar outras formas de violência é a fogueira onde arde a indeterminação. A violência torna-se uma instituição humana.

Como somos estruturalmente fracos, a violência propende a ser exercida sobre os mais fracos. É outro anátema da violência: a hipocrisia. A pútrida luva da violência faz-se abater quando a perceção do vencimento da violência estiver mais próximo, ou seja, sobre os mais fracos. A violência dos fortes sobre os indefesos é um sacrifício que cola os algozes à selvajaria. Não só o indefeso suporta esta condição, sem disso ter consciência, o que devia torná-lo imune a qualquer forma de violência; como os que escolhem a violência sobre o vulnerável atuam em bando, ampliando a natureza aviltante da violência.

É uma violência institucionalizada porque se fundeia nos códigos de conduta informais da sociedade. Que se exercem por cima das leis, quase sempre: a engrenagem social, que se alimenta da espontaneidade das relações entre pares, de uma desinstitucionalização endémica ao menor pulsar popular, desiste do respeito das leis quando supõe ser seu substituto pela superioridade do resultado que acredita alcançar. A falsa coragem dos bravos escuda-se no exercício da violência em grupo. É um bando que atua, lançando a grotesca mão da violência que dilacera a vítima ideal, o indefeso que é sacrificado para apaziguamento instantâneo da turba. 

Há interrogações suprimidas, contudo. Talvez, propositadamente suprimidas. O remorso constitui-se procurador dos pesadelos dos que exercem a violência sobre a vítima útil? Talvez não: eles julgarão que honraram um código de justiça que não se afere pela fragilidade das leis instituídas. E em cada um de nós, mesmo dos que jurem a antítese da violência, não habita um potencial violento, só à espera do rastilho para se tornar espontaneamente violento.?

Talvez seja uma parte, importante e irremediável, da natureza humana.

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