21.9.22

Não passes dos oitenta (multidão)

The Dandy Warhols, “Not If You Were the Last Junkie on Earth”, in https://www.youtube.com/watch?v=APrpB-i4d_E

A boca não se esconde das palavras impertinentes. É o pós-adolescência a medrar. Uma certa loucura não se distingue da ainda escassa lucidez. Os passos que demos eram maiores do que as pernas que que nos permitiam andar. É o roteiro de uma idade – a amplificação de uma ideia de transcendência confundida com a transgressão que nunca parece ser.

Esse era o tempo em que outra ideia gravitava na órbita de um certo despensamento: a sensação de imortalidade, exacerbada pelo convencimento de que ninguém morre tão cedo. Oxalá estivéssemos certos trinta anos depois. Trinta anos depois, os funerais são em maior número do que os casamentos. 

Quando uma certa loucura inadvertida tinha periscópio, viajávamos pela vida a uma velocidade alucinante. O tempo não metia medo. Ou melhor: não tínhamos consciência que o tempo viajava depressa de mais. Se houvesse um velocímetro como metáfora, andávamos quase sempre a duzentos à hora. Já nessa altura ouvíamos os mais velhos, sentados em cima da sensatez providenciada pela experiência, a aconselhar uma velocidade sóbria. Eles sabiam o que nós não sabíamos. Eles sabiam que o tempo acaba por meter medo. Nós julgávamos que eles já tinham desistido de viver. 

Não: não íamos a oitenta à hora, como nos era recomendado. Oitenta à hora era como estar parado no meio de uma autoestrada onde todos passavam por nós. E nós não queríamos ficar para trás. Não queríamos ser os últimos a chegar. Não sabíamos ao certo porquê. Só sabíamos que não queríamos ser os últimos na parada. 

Hoje, por vezes viramos o espelho que se torna retrovisor. Não queremos amanhar os despojos do tempo vertiginoso que foi o castelo que nos cercou de ilusões abundantes. Fazemos um inventário. Medimos as diferenças. Não queremos ser categóricos. Há um certo autismo que vem com a propensão de estimar como certo o tempo presente, desautorizando o tempo pretérito, atirando-lhe, sem condescendência, as desaprovações que nunca vêm a destempo – é disso que estamos convencidos. 

Demora a perceber como é errado esse inventário. Cada tempo tem o seu santuário próprio. Não há tempos errados, nem a prodigalidade se associa a um determinado tempo. Podíamos ir a oitenta quando nos aconselhavam a modéstia, como podemos ir a duzentos agora que nos amedronta a vertigem. 

Sem comentários: