1.9.22

Paredes absolutas

Preoccupations, “Fever”, in https://www.youtube.com/watch?v=oVM7dEBN7pM

As piores tempestades são as que não se deixam pressentir. A desordem terça o inesperado e o modo como não se sabe lidar com o sobressalto. É como uma febre sem cartografia. Os suores que tomam conta do corpo entorpecem-no, sitiado na sua impossibilidade.

As nuvens que colonizam o pensamento deixam-no embaciado. O que é difícil aviva-se nos horizontes da mente, como se tudo fossem contratempos que transfiguram as estradas em caminhos impraticáveis. Os olhos deixam de ser imperturbáveis. Encenam o caos como se este fosse o seu verbo gordo e todos os imponderáveis por recolher fossem a matéria sensível que nos põe à prova. Ninguém quer subir a palco, onde tudo se mostra à mercê da tempestade que vier.

As tempestades devoram os espíritos que deixam de ser à prova de contingências. Talvez tudo não passe de um logro: a existência de contingências é a matéria-prima para a incerteza que nunca pode deixar de ser inscrita nas equações que definem as vidas. As tempestades inesperadas são as que formalizam a contingência. São a contingência em nome próprio.

 Intuem-se os esconderijos que possam ser o elixir contra as tempestades que não se puseram antecipadamente de aviso. Nos esconderijos é possível escapar aos vultos que através das tempestades povoam a paisagem com as vísceras à mostra que se revolvem na nossa fragilidade. Salvam-se os que forem a tempo do esconderijo. Os outros ficam a favor da tempestade. No final, quando a tempestade tiver desarrumado o que estiver ao alcance da sua mão, faz-se o inventário das baixas. É para isso que servem os afortunados que conseguiram encontrar esconderijo a tempo.

Esses esconderijos são feitos de paredes absolutas. São paredes absolutas porque outorgam a proteção contra a desarrumação das tempestades. Noutros lugares, onde as tempestades têm a assinatura do Homem, as paredes são absolutas quando escondem as vítimas da desumanidade dos algozes. Sempre que forem um cais onde há vidas por continuar, as paredes absolutas são o tratamento possível contra as contingências irredutíveis. Sejam elas determinadas pela natureza sem freio, ou por Homens que medram na desumanidade.

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