14.9.22

Paradeiro (RGPD dixit)

Dead Can Dance, “Anabasis” (live at KCRW), in https://www.youtube.com/watch?v=tLzBENQ3Ii8

Nos aeroportos, é como se estivéssemos no mesmo lugar. Não é que os aeroportos sejam iguais. A arquitetura varia. Por fora das cambiantes da arquitetura, os aeroportos obedecem a um padrão. A teoria é esta: se estivermos dentro de um aeroporto e, subitamente, a amnésia se ocupasse de virar a lucidez do avesso, não saberíamos onde estamos (para além de sabermos que estamos num aeroporto). Não seria a paisagem visível de dentro para fora do aeroporto a revelar o paradeiro.

Um pouco como nos aeroportos se fosse a amnésia a subitamente mandar, às vezes os lugares parecem todos iguais. Ou melhor: a distração consegue convencer que há um esquecimento do lugar onde nos encontramos; sabemos, talvez, onde estamos, mas não nos é dado a atestar o nome do lugar. Nos momentos em que nos despojamos e parece que gravitamos na nossa própria órbita, uma anestesia cuida de silenciar a lucidez.

Possivelmente esta ausência de paradeiro não é o que parece. Um não lugar instantâneo pode ser um lugar, intencionalmente procurado como exílio dos lugares habitualmente demandados. Sentimo-nos forasteiros no lugar que julgamos ser nossa pertença quando a lucidez não se esconde num exílio. As convenções insurgem-se contra esta vocação para sermos foragidos do lugar que elas imputaram como nossa pertença. Quem sabe, às vezes, somos foragidos de nós mesmos. Ou somos obrigados a sê-lo, por desprazer de algo que corresponde ao que julgamos saber de nós.

Não devíamos precisar de um paradeiro, como se ele se somasse ao nome de que não podemos abdicar (outra vez de acordo com as convenções). Jogamos o paradeiro contra as forças geológicas em que assenta a identidade. A identidade não devia depender de um lugar, muito embora se diga que os lugares, aqueles onde somos indígenas e os outros em que fomos forasteiros, ajudam a cimentar uma identidade. Forçar um paradeiro, ou coagir alguém a revelá-lo contra a sua vontade, faz o lugar sobrepor-se à identidade. Mas as pessoas é que esculpem os lugares.

Um paradeiro não pode ser um embaraço à vontade. Em caso de oposição, sacrifica-se o paradeiro, que só interessa ao seu titular. O RGPD tornou-se lei de bronze.

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