26.9.22

As cadeiras vazias

 

Ólafur Arnalds, “Partisans”, in https://www.youtube.com/watch?v=RUeHmHMs7_0

A angústia hereditária desfilava pelas cadeiras vazias. Um sabor a deserção tomava conta do tempo. Há sempre uma razão para a ausência. O vazio não se tutela com as palavras insignificantes. Sabia-se apenas que aquelas cadeiras já tiveram pessoas como paradeiro.

A meada subia, ultrapassados os prolegómenos. Eram muitas as mãos artesãs que esculpiam o desmedo necessário. Passava-se por sucessivas salas e o silêncio era a língua-franca. O silêncio e o vazio – outra vez a impressão de deserção. Por dentro do labirinto, as janelas não existiam. Tudo estava encarcerado numa prisão hermeticamente selada ao mundo exterior. Com medo do mundo exterior, a prisão esterilizada das forças corrompidas que pudessem ser o mau legado do mundo exterior. Sobejava outra impressão: a de exílio.

Talvez por isso as cadeiras estivessem vazias. Não seria porque ninguém as queria habitar; seria porque as pessoas que já lá estiveram souberam perceber que teriam de procurar hospedagem algures. A sala com as cadeiras vazias teria sido a intercessão para outro lugar. Um lugar com a tangibilidade do mundo exterior sem ser permeável às suas influências decadentes, sem saber que exauridas ficariam as forças só de tentarem ser um embaraço a esses vultos.

Do silêncio como idioma, não havia muito a dizer. Ao contrário do que parecia, o silêncio não era uma venda a proibir a fala. Não era uma forma de censura. Era a liberdade outorgada às pessoas para poderem interiorizar estados de alma sem serem importunadas pelo ruido limítrofe. Havia lugares próprios para tudo. Nos areópagos da deliberação, onde eram cotejados argumentos dos pleiteantes, as vozes sobrepostas compunham a paisagem. Essa era a sua linhagem. Esse era o lugar para a antítese do silêncio. Na sala com as cadeira vazias, o idioma era o silêncio. O frio resultante aquecia o sangue.

Ninguém sabia dos rostos que foram moradores temporários das cadeiras vazias. Ninguém os podia comparar com o estado sucessivo à temporada na sala das cadeiras vazias. Lá, onde até o ar parecia rarefeito, a combinar com a solidão da sala das cadeiras vazias, o pensamento amanhecia em estado puro.

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