19.9.22

O que é “um bom país para morrer”?

Wire, “The 15th”, in https://www.youtube.com/watch?v=kUv-7ouJ1uI

Ele há plumitivos que se encharcam em lugares-comuns, lugares tão amenos para eles que medram no nanismo intelectual, como para a audiência crescentemente acrítica. Um deles, figurão importante no meio, disse, sem lhe caírem os dentinhos, que este não é um bom país para morrer.

Não lhe caíram os dentes, mas a minha boca ficou aberta (continuando a saga dos lugares-comuns que se transfiguram em expressões idiomáticas). Depois de deixar de estar boquiaberto, só me ocorreu perguntar se há lugares que são bons para morrer. Parto do princípio, não metafísico, de que a morte é uma injustiça e que ninguém dirá de bom grado adeus à vida (exceto os suicidas, os heróis que consumam uma vida quando a perdem num campo de batalha e as pessoas penhoradas pela doença que suplicam pela partida). 

Ele há lugares que sejam bons para morrer? Dir-me-ão que a ilustre personagem da comunicação social estava apenas a empregar uma figura de estilo. Não quero saber de figuras de estilo que se encenem com a seriedade da morte. Admitindo que a morte é um pesar sem comparação para quem dela é vítima, não há lugares bons para a ocorrência. Poderá haver modos menos insuportáveis de cessar uma vida, outros que são violentamente invasores e ainda outros que não se destacam na adjetivação. Poderá haver quem sonhe com uma morte sem dor, durante o sono; quem não se importe de dizer adeus à vida, certificando que saldou todas as contas pendentes, num deve e haver que corresponde à preparação para a morte; e quem nem sequer pense no assunto, dele fugindo pelo temor que a morte lhe infunde. 

Apurar que lugar é melhor para receber a morte é como se a morte pudesse ser mercantilizada de acordo com os predicados (ou a sua falta) da geografia, escolhida ou apenas predestinada, que marca encontro com a morte. Esta – outro lugar-comum para terminar – não lembra ao diabo. (Que admito ser o alter ego da morte.)

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