9.9.22

As mãos do pintor

No Words Left, “City of Mirages”, in https://www.youtube.com/watch?v=q1rvb0uYSV4

Um caso de ti: esse olhar sem fronteiras, dicionário em que me pressuponho. Diria que minhas são as mãos do pintor ao ficarmos extasiados na contemplação das obras de arte que trazem o seu nome embebido. Elas, demoradas no olhar, tornando-se num magma que dispensa a fermentação; as nossas almas contêm a regeneração de si mesmas. Não deixamos de parte esta (ousada) epifania.

Diria: se as mãos do pintor revelam um sortilégio, eu gostaria de ter as mãos do pintor para escrever poemas distintivos sobre ti. Ou para que as mãos adejassem sobre o teu corpo e nele desenhassem os santuários que conservam os segredos de que somos únicos feitores. As mãos minhas, em transfiguração das do pintor, seriam maestras ao domar as intempéries que se abatem sobre o cais onde estamos. Para que nenhuma tempestade possa desarrumar a desordem em que teimamos; a desordem de quem somos hermeneutas insubstituíveis.

As mãos do pintor não são as minhas e nem assim me demovo de intenções. Pois um caso de ti é todo um universo contido nas minhas mãos que sobre ti descem e povoam as danças de que somos mecenas. As minhas mãos não são as do pintor e nem assim se diminuem na tradução do amor. Só preciso das minhas mãos para encontrar as estrofes que retratam o lugar único em que habitamos. Nossas são as manhãs que depõem os sonhos avulsos, as diferentes partidas que aumentam a nossa geografia, os lucros que trazemos de um filme, de uma peça de teatro, de um concerto. Essas mãos são testemunhas que o mundo não deixa de crescer, de acordo com a recompensa dos nossos olhares. 

As mãos do pintor são uma metáfora. Um pedaço do segredo nosso que não deixa de ser segredo. No horizonte que se torna baço com o nevoeiro que acompanha o entardecer, sentamo-nos a ver para onde vai o tempo e sentimos nas nossas mãos as mãos do pintor. A paisagem que se confunde com a linha do horizonte torna-se a diligência das nossas mãos. A paisagem rende-se ao proveito genesíaco das nossas mãos.

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