15.9.22

Para preencher os espaços em branco

Jóhann Jóhansson, “The Drowned World”, (live at KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=JEtiLhJdw3I

Em desocupação da opulência, desagravem-se os falsos abismos que são a combustão do medo. Em vez disso, o meticuloso, lúdico exercício de preencher os espaços em branco que alguns alquimistas deixam em espaços avulsos.

É pedida custódia da imaginação. Os espaços em branco supõem um exercício que tanto pode ser ao acaso como exigir uma formulação precisa e demorada. Uns não se interessam com a coerência e atiram as primeiras palavras que se atravessam na cortina do pensamento. O todo pode não soar inteligível, mas muita literatura tem idêntica linhagem. Outros abraçam a empreitada com a solenidade que julgam ser a sua medida, sopesando as palavras que vão ocupar os espaços em branco. Às vezes – talvez vezes de mais – o que é vazado em vez dos espaços em branco é uma prosa sem inteligibilidade. Outras vezes, sobra uma prosa gongórica, o exercício de imodestos eruditos (assim se consideram, em juízo excessivo de si mesmos) que fazem questão de esbofetear na audiência a sua erudição disfarçada de topete.

Preenchem-se os espaços em branco, substituídos por palavras que passam a ser porta-vozes do silêncio sóbrio. Os ardis deviam ceder o passo na passadeira onde os povoadores de palavras válidas têm prioridade. São os menos artilhados de sabedoria que gozam de fama na capacidade de desarmadilhar os sentidos múltiplos que as palavras contêm quando os mecenas se escondem atrás de disfarces. As palavras que ocupam os espaços que antes estavam em branco não agridem o olhar. Não ferem o pensamento.

Os vaidosos que desfilam no despudor da vaidade ou se convencem da presciência para tomarem o leme da palavra, ou desertam por desconformidade com o uso da palavra. Embotados os últimos, entregam-se à mundanidade. Os espaços em branco foram feitos para conservarem a sua alvura – argumentam. A palavra é um tirocínio cansativo. Os primeiros metem no coldre um património abundante de metáforas. Fogem das palavras no seu sentido direto. Fogem de tudo. Com eles, as palavras que substituem os espaços em branco são rasuradas vezes sem conta. Até que já nada se percebe das inscrições que acabaram por sepultar a função.

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