28.12.22

Aval (short stories #414)

BADBADNOTGOOD, “Love Proceeding”, in https://www.youtube.com/watch?v=LRDmyRJsPwM

     Procuras um conceito. Procuras saber através da encruzilhada constante. Se não fosse pelos infortúnios dos outros, não darias conta da tua fortuna. Agarras-te ao xisto perene para estear os socalcos. Impõe-se a elegância dos socalcos, para reger as tribulações que desarrumam o corpo. Só tu podes encontrar em ti o aval de que precisas. Porque convencionaste que tudo deve passar pelo crivo de um aval. Mas, sabes(?): nem tudo se candidata ao escrutínio de um aval. Deixa fluir os acontecimentos, deixa o tempo ter o seu modo, e o resto será uma dádiva por mais que sejam tempestuosos os palcos andados. Não precisas de epifanias, ou de momentos deslumbrantes que contrariam a hibernação, desmontando-a. Não precisas de aval, para nada que seja. Por mais que te convenças que o aval é um exercício interno, é-lhe inata a mortificação de quem busca um consentimento exterior. As ações tornam-se consequências nos limites dos seus fautores. O resto, não conta. Não contam os olhares dos outros que se abatem em forma de julgamento; os adágios que arrefecem a audácia; os rios aprisionados que contêm uma forma limitada e medíocre de ser; os dicionários que não quadram com a tua semântica. Tens direito a uma semântica. Não tens de a explicar. Os vetustos vultos que se propõem a colonizar a tua consciência dir-te-ão que se cada um for nativo de uma semântica não há comunicação que resista. Não dês atenção. São os apóstolos da coesão, adoentados por observarem como são diferentes as pessoas (mesmo as que se ungem sob o cimento de uma identidade). O aval és tu mesmo. Dissemelhante no que achares por bem. Sem insistires na exigência de um aval para te legitimares. Não faças concessões: a legitimação é para consumo interno. Se a consciência fraquejar, não percas o norte. És imperador por dentro de ti.

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