9.12.22

Monólogo

Smoke City, “Flying Away”, in https://www.youtube.com/watch?v=Hesv3K4Dz9M

Tiram o tempo aos sonhos, para que os sonhos se dissolvam onde antes crepitavam. Antes que seja condenado à estreita indiferença, entregam um compêndio que alimenta a conduta obrigatória. Ausculto a voz resistente que se alimenta da lava interior. Não serão esbulhados, os sonhos. É uma voz que não será retirada.

Jogo os centímetros do passado contra a demanda da memória. Meticulosamente. Por respeito a esse tempo sem o qual ninguém pode reivindicar um lugar na geografia do presente. Oxalá não seja voluminosa a empreitada. Talvez o segredo seja condensar o tempo em compartimentos e deixá-los escolher os seus próprios periscópios para que sejam eles a falar a seu respeito. Limito-me a anotar frases significativas. A extrair dos lampejos de luz legados pelo passado os fragmentos que compõem a tela que tenho diante dos olhos.

Se fosse possível fazer outros desenhos, que desenhos seriam esboçados? Não se pode esconjurar as impurezas através de uma demanda que finge não ter sucedido e, em sua vez, montar um teatro do que teria acontecido se o sucedido não tivesse vencimento. Atirar os dados desta maneira é um recalcamento do cenário em que assenta o corpo. É uma mentira, contra a qual o sono não se pacifica. O tempo não se refaz. Os sonhos, às vezes, tratam de o avivar com a máxima resplandecência.

É desta convulsão de opostos que se inteiram as marés. Se apenas se convocasse um único sentido, a desonestidade seria o verbo forte. Tudo é composto da concorrência de contrários. As encruzilhadas constantes exigem a escolha de um caminho. Mas os caminhos enjeitados não são desaproveitados. Se forem segunda escolha, constituem uma escolha. Nem que seja amanhã, ou depois. Não se tomam por palavras definitivas as malhas que primeiro vêm às mãos. 

É o tirocínio da vida andada que abastece a lucidez. É por não retratar os sonhos que falam a sua vontade própria que sou penhor do desprendimento de nada considerar arrematado. As coisas embebem-se na sua fragilidade inata. Até as que se interiorizam penhoras da mais amuralhada condição. 

Sem comentários: