15.12.22

Quando apetece ser pessimista, só para contrariar otimistas irritantes

Yard Act, “Dark Days” (live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=uZpuliuQ3LA

“A felicidade é um pacto que se faz com a vida.” 

Manuel Vilas

Cursos inteiros para ensinar a ser feliz. Para os aprendentes saberem usar o diapasão positivo para levar a vida e cantá-la, bela como ela é. Demitam-se os aterrados pela angústia, os profissionais da desdita, os simbólicos meirinhos da desgraça inevitável, os arruaceiros que desmentem, por birra, a beleza da tudo.

Desde os curros, bobos inomináveis adestram almas de outro modo arraçadas. Como se os sinais negativos fossem banidos e na nova aritmética de que é feita a vida só houvesse somas. Se a manhã for estribada em plúmbeas nuvens, compete-nos arranjar as forças possíveis, mergulhando no magma fundo, para que elas transitem para outra geografia. O espaço das vidas dos aprendentes é feito de dias constantemente soalheiros. Os inditosos dias de chuva, por sombrios que sejam, são dispensáveis nesta safra de que somos operários obedientes.

Os militantes da positividade de tudo não saberão o significado de contingência. Não terão conhecimento de episódios apanhados numa curva traiçoeira, quando nem o arregimentar de generosas forças trava o ardil montado para se abater sobre as desprotegidas cabeças. Não há capacetes que nos cuidem destes desafortunados acontecimentos – e isso não tem nada de conspirativo.

Pretender que tudo comporta um lado positivo, mesmo que seja a maior desgraça, é ficcional. Leva-nos pelo lado simulado da vida, como se fosse possível disfarçar o atropelamento por um elefante, fazendo equivaler o efeito à leveza sentida depois de assistir a um concerto de um músico da preferência. Se formos convencidos a empenhar a alma no compêndio de farsas destes zeladores da positividade apenas postiça, passaremos grande parte do tempo a fingir. A fingir que os males são fortuna e que os despenhamentos produzidos pelo mal atravessado abismo são equivalentes ao retempero de um mergulho numa piscina com temperatura exótica. Seremos, apenas, farsas por dentro de nós. Tanto fingir é uma fuga de nós para o incerto.

Como avisa Camus, “não há que ter vergonha de preferir a felicidade”. Para a recebermos, e para dela sermos cultores, temos de estar preparados para aguentar contratempos que desabam sobre nós. Sem dar a pele à angústia constante, nem fingir que as lágrimas são adocicadas.

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