30.12.22

Stella Maris

Einstürzende Neubauten & Meret Becker, “Stella Maris”, in https://www.youtube.com/watch?v=o1gDClilqdU

Prometo o arquipélago bucólico, onde apenas se falam palavras simples. No refúgio da alma, como se precisássemos de exílio, sem sabermos exílio de quê. Exílio apenas, como pretexto de uma entrega sem fronteiras.

Prometo a estrela figurada arrancada à boca do céu. Para dela fazeres guia, dispensando a bússola de outro modo exigível. Em preparação do sortilégio de que somos embaixadores, arrumando no amanhã a pele insondável.

Prometo o que for de fora de mim, até que a estrada esteja pronta para nos dar o infinito.

Prometo a neve em vez do Verão, o frio heurístico como modo de ser, os lagos encaixados na cordilheira alcantilada, o verbo alpino que desfaz o ultraje da rotina, os arranjos estimados na ardósia diligente, os mapas que sacrificam o sangue sedentário. Prometo, com o vagar das sílabas, disfarçar a limitação do tempo para sermos perenes. E prometo desmentir as clepsidras que se estimam na varanda dos dias, por sermos autênticos tutores das estrofes que habilitam o presente.

Prometo: dizer o silêncio que só nós sabemos decifrar. 

Prometo as artes todas, no opúsculo de que somos autores, entre os arrepios e as lágrimas irreprimíveis quando os sentidos dançam sob o comando da música, do cinema, do teatro, da poesia.

Prometo o inventário dos nomes que contamos enquanto o crepúsculo se deita nas costas de um livro, no fundo de um copo de vinho já embaciado. Prometo entardeceres avulsos, pressentimento de geografias que deixam de ser ausentes, para nos despojarmos à boca do vulcão insolente.

Prometo avançar pelo mar adentro sem que o mar tempestuoso seja maior que o meu corpo. Prometo fazer ilhas pelo mar afora e registá-las em teu nome. Para depois estabelecermos o nosso domínio exclusivo, sem direito a outros nem que estejam na posse de salvos-condutos.

Prometo ir ao mar e trazer (escondida) uma estrela marinha. Prometo usar a estrela marinha como caneta militante que transforma angústia em poesia, a poesia que aprendemos a escrever a cada dia mestiçado nos nossos corpos.

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