22.12.22

E se as árvores fossem mandamentos?

Depeche Mode, “Walking in My Shoes”, in https://www.youtube.com/watch?v=mQ2plyhNmZc

As árvores emprestam-nos oxigénio. Aprendemos na escola, aquilo da fotossíntese. Os mandamentos da ecologia aprendemos depois, quando os ecologistas começaram a entrar pelos ecrãs da televisão e o catecismo ambiental se propôs a reparar o pensamento cristalizado sobre o ambiente. Aprendemos a respeitar as árvores. Foi pena ter sido preciso aprendermos com os ecologistas. Devíamos ter aprendido, de mote próprio, a reconhecer a função primacial das árvores. 

Dito desta forma, parece uma exibição de oportunismo. Só devemos valor às árvores porque sem elas o oxigénio escasseia – e sem elas seríamos prisoneiros de uma paisagem desenriquecida (quem prefere uma paisagem árida à beleza demiúrgica de uma paisagem dominada por árvores?). Há oportunismos que se perdoam. Correspondem a um palco maior, em que se considera o conjunto no seu todo. Soubéssemos ter sido parceiros das árvores e seríamos habitantes de um lugar mais rico. Omitir este oportunismo é uma autofagia antropológica.

As árvores não são meros expedientes da paisagem. São todo um mandamento de vida. Um abrigo. Uma inspiração, que abriga na sua copa os órfãos de alguma coisa. Uma certa forma de gramática. Uma forma inteira de conhecimento. Rasuram as arestas que ferem a pele. São um tratamento autónomo da alma, que não fica indiferente a uma mancha de árvores se a alma responder aos desafios da sensibilidade. 

Esquecer (ou ignorar) estes mandamentos introduz os indivíduos ao ultraje das árvores, que pode findar com o seu assassinato. Os dendroclastas não se identificam enquanto tal. Julgam que são naturais os atos que ferem de morte as árvores, ou os meros atos que ostentam o desrespeito pela floresta. Não se trata de assassinato das árvores: é suicídio da espécie.

A floresta devia integrar uma lei de bronze, inamovível ao longo das gerações. Para aprendermos que sem as árvores somos espécie amputada. Sem árvores, temos paisagens castradas. Pelo dano corporal a cada árvore, por cada ramo gratuitamente removido, por cada grama de insensibilidade pelas árvores, é como se partes avulsas dos corpos das pessoas fossem amputados de um cantão da alma. 

As árvores deviam ser um mandamento, sem ponto de interrogação.

Sem comentários: