8.12.22

Não queiras ser o parente pobre

Pulp, “Underwear” (live at Reading), in https://www.youtube.com/watch?v=FsfRB0dG60k

O provérbio mata a epifania aprisionada dentro de nós. Se formos na levada dos lugares-comuns, não passamos da cepa torta (outro lugar-comum). Em vez de ouro, ofereça-se algo modesto às intenções que se jogam no estirador. Não precisamos de ser exemplares figuras que merecem estatuto de escol.

O provérbio amansa as palavras que se querem desenfreadas, irrequietas, reinventadas. Não precisamos de instrutores da monotonia que ensinam como são os cânones a que obedecem os bem-comportados. Não precisamos de manual de instruções – e ponha-se um ponto final no remate da frase, sem lugar a enxertos que possam mediar as exceções pela invocação de especiais circunstâncias. Um ponto final categórico, que há domínios imunes às exceções.

E se recebermos um convite que se disfarça de farsa para nos empurrar para o chão onde todos são parentes pobres de uma indistinta gesta, não hesitemos. Digamos um também categórico não. Não aferimos a linhagem pela métrica dos procuradores da habitualidade. A habitualidade. esconde a colonização de espíritos em que decaem os que aceitam ser parentes pobres de um qualquer parente eventualmente rico em alguma coisa (sem estar à vista o quê).

Arremetemos contra as ondas que nos atiram para um nanismo com consequências. Não sejamos derrotados pela fala iracunda desse mar que apequena o que somos. Ainda que sejamos parentes pobres, que seja aferido pelo julgamento próprio. De fora-da-lei passamos a remediar a contingência de uma lei que é de fora. A lei, tortuoso mecanismo que zela pela nossa obediência, torna-se fora-de-lei. Ninguém é parente pobre porque os parentes ricos foram todos na praça que os levou à hasta pública. 

Sobraram os que não sabem o que é a pobreza. Os que não podem, por essa medida, ser parentes pobres. Somos todos ricos num algo por determinar.

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