12.12.22

Sombras

Yakuza, “Aileron, pt. 1”, in https://www.youtube.com/watch?v=TZmyGGSa99c

À boca da noite, o coldre vazio. Tinham ficado para trás as convulsões que mastins vadios teimavam em assinar. Se ao menos a noite fosse um breve lanço de escadas e não viesse ateada por pesadelos contumazes, tudo seria arrematado por bons capatazes. A paz, enfim, por interior que fosse.

Em vez disso, sombras. Sombras a insinuar diferentes camadas, como se entre cada lampejo do tempo houvesse nuvens sucessivas, umas em cima das outras, e cada camada escondesse os seus segredos. Sem renunciar, sem duvidar da encomenda da alma, os arranjos todos saciados numa empreitada que não deixava escombros.

As sombras escondiam as palavras segredadas. Nunca se sabia da existência de segredos até ser anunciada a sua existência. As sombras pesavam sobre os segredos anunciados, mas que ficavam por confidenciar. Seriam precisos confidentes em barda, ouvintes diligentes, apenas ouvintes: não seriam promotores de conselhos, porque os confessores esperavam boas recomendações, mas os confidentes não tinham lucidez para as atestar. Não queriam sentir o peso dessa responsabilidade. Limitavam-se a ser ouvintes, sombra como parte das próprias sombras.

Tudo ficava embaciado. Intraduzível ao olhar, aos sentidos. continuavam por tentativa e erro, como se os seus rostos fossem competentes para limpar as sombras que se antepunham entre eles e o horizonte. Não sabiam se podiam esbarrar em embaraços e se os podiam remover. Só sabiam que a letargia era pior conselheira. Ficar no mesmo sítio era ficar à mercê das sombras, tornando-se uma sombra em nome próprio.

A ousadia subia à cena. Como encenação masculina, procuradora de tóxica masculinidade, pois só a masculinidade consagrada é intimada para superar tamanhas contrariedades. A ousadia era a espada embainhada contra os espectros que adejavam sobre o céu tartamudeado pela trovoada nascitura. As sombras não podiam ganhar no jogo da perenidade. A noite persistente é a espada que se abate sobre a lucidez. 

Pudessem antes ser exilados num outro lugar. Outro lugar, não importava saber o nome. Desde que soubessem que era um lugar ungido pela luz diurna, sem o anátema das sombras persistentes que evocam noites árticas no Inverno ou a colonização das almas pelas sombras que se agigantam e nem assim registam a patente do seu nome. Até que das sombras sobrasse uma recordação difusa.

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