20.12.22

Espadas sentadas

Black Country, New Road, “Bread Song” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=v6-QjzzEUZo

Tossicava. “É por causa dos nervos”, admitiu. À sua frente, a porta majestática. Não sabia o que encontraria caso o passo não fosse em falso e atravessasse o umbral. E se fosse um labirinto? E se se arrumassem as prateleiras para que os corredores ficassem vazios e as pessoas pudessem andar, desembaraçadas? E se fosse apenas um edifício, preso à sua irrelevância?

Na porta, um dizer em latim. “Se ao menos tivesse aprendido latim na escola...”, ciciou um quase arrependimento. Só não era arrependimento na íntegra porque mal o olhar se libertasse do latinório esquecer-se-ia da utilidade do latim. As palavras, contudo, bebem na fonte do latim. “Talvez devêssemos aprender latim na escola. Como pode ser o latim uma língua morta, se é dela que emanam as línguas latinas?” 

Se espadanássemos o forno onde fermentam as palavras, e se o latim viesse ao caso, a gramática não era tão lesada. O latim parecia o militar morto em combate, os seus despojos humilhantemente caídos no campo de combate e, de volta dele, os algozes empunhando as armas que o condenaram à extinção, posando para a fotografia soez. Os habitantes das línguas vivas não se importam com o parricídio. A estultícia não os deixa perceber que o enterro do latim determina a orfandade dos idiomas que falam e escrevem. Dos idiomas de que são, com acentuada frequência, torcionários. Por isso não se importam.

“Parece que as espadas estão sentadas. Não há caso de fazer a guerra.” Dentro do edifício, umas estátuas exibiam espadas embainhadas no coldre do esquecimento. Julgou perceber o simbolismo das estatuetas. As espadas sentadas não trespassam corpos. Não se ajuramentam no belicismo. Talvez tenham sido artefactos de guerra no passado. Talvez estejam oneradas com a carne que trespassaram, com o sangue depois vertido, até à extinção de vidas. 

Estas espadas deviam ser a metáfora viva para os utentes dos idiomas latinos. Espadas assim sentadas convenceriam os utentes a resgatar o latim. Como se fosse possível ir levantá-lo à sepultura e permitir-lhe uma segunda vida. Para prevenir que as línguas vivas se tornem errantes. A quem é dado praticar a indulgência, é à letra morta. A sua espada está sentada, mas vive, freneticamente, sem darmos conta.

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