- E se fôssemos ao futuro, só para dele sabermos um módico, e depois viéssemos ao presente para adulterar o passado? Seria como uma indulgência a favor da espécie, espreitando sobre o futuro para com ele aprender. Aprender a modificar o presente, para que a História acabe por ser diferente da que está em espera. Não me importava de sacrificar por este desígnio. Haja quem seja generoso ao ponto de decantar um pouco do futuro a destempo; haja quem tenha esse desassombro, que ser conhecedor do futuro a destempo não é vantagem que alguém tenha orgulho de ostentar: o futuro está em vias de ser pior do que foi o passado.
- Dizes que a ciência podia inventar um meio de ludibriar o tempo? Meter um pé no futuro só é possível se alguém der instruções ao tempo para se antecipar à sua medida, para só então o viajante apanhar o elevador que o leva ao futuro. Uma vez no futuro, não saberá que chegou ao futuro. Vive a sua segunda ilusão: julga que está no presente, pois o tempo que alguém vive é a definição do tempo presente; e, todavia, já chegou ao futuro e começa a inventariar as memórias de um tempo que ainda não saiu das conjeturas – um nado-morto, às vezes, por pequenos acasos. Enquanto agente destacado para o futuro, só conhecerá o que conhece antes de ter sido destacado: o presente. Ou nem isso: porque no futuro sente que está a viver o presente, e quando for devolvido ao presente terá saudades do futuro que não chegou a sentir.
- E qual é a sua primeira ilusão?
- É acreditar que sai de um tempo para entrar noutro, ainda inexistente. Torna-se prisioneiro de si mesmo. O campo magnético dos diferentes tempos não joga a seu favor. Corre o risco de ser um desconhecido para o futuro que intui como presente e para o tempo presente que o tornou embaixador do futuro que ninguém sabe que vai acontecer. Um apátrida dos diferentes tempos. Órfão do avesso.
- E se o milagre for possível? Se a ciência for tão depressa, tão depressa, que ultrapassa o tempo e passa a dominá-lo? Por um instante, concorda com este pressuposto. Se esta impossibilidade for derrotada, os que forem escolhidos (pode ser um exílio penoso, contudo) podem regressar ao tempo presente a tempo de mudarem o que mais tarde vem a ser História.
- Para ti será uma utopia. Para mim, é uma distopia. Não quero que as fragilidades de que somos feitos sejam alteradas mediante o recurso a ardis. Não quero viver num futuro em que é possível ir a um futuro posterior. Não quero ser parte de um mundo em que podemos distorcer o presente apenas para a História não ser o que seria se o tempo obedecesse ao seu modo. Não quero que seja possível partir os tomates da História. Porque ela deixa de ser História e passa a estar cativa dos caprichos de uma casta. A minha confiança na bondade e na lucidez das pessoas não chega para validar a tua utopia.
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