Às vezes, a vontade que cada um tem como sua deve ser previamente industriada. Se ficamos na dúvida e a vontade encalha na indecisão, haja quem de fora dê uma sugestão que resolva o dilema ou destrave as trevas que sufocam a vontade. A sugestão vinda de fora termina o bloqueio que impede a vontade e nós, que às vezes caímos no limbo porque não conseguimos apurar a vontade que a vontade tem, agradecemos.
Tome-se o exemplo de alguns restaurantes: quando apresentam a conta do que foi consumido, acrescentam uma linha onde sugerem a gratificação. O empregado que traz a fatura informa, educadamente, que o cliente tem o direito de não concordar com a gratificação sugerida.
Esta mudança de hábitos sociais é socialismo em ação. Os socialistas é que professam o credo na engenharia social, acreditando que nós, rebanho quase tresmalhado, precisamos de um guru superior que nos conduza e por nós desfaça as dúvidas, existenciais e de outro jaez, que nos assaltam. Se não sabemos quanto deixar de gratificação num restaurante, fiquemos sossegados que o socialismo em ação entrou nos restaurantes e decide por nós.
Dirão, em coro com o empregado de mesa que, educadamente, informa que não somos obrigados a aceitar a gratificação sugerida, que é apenas uma sugestão. E as sugestões, não sendo comandos imperativos, deixam à vontade da outra pessoa a aceitação ou a recusa. O problema está nas entrelinhas. Há sugestões que soam a comandos imperativos, sob pena de a recusa ficar mal vista – e há quem se inquiete com a hipótese de ficar mal visto aos olhos dos outros, mesmo que sejam desconhecidos. São os que sabem viver em comunidade e têm consciência coletiva. A alternativa é acicatar o misantropo que há em nós. Indiferentes ao julgamento dos outros, mesmo que seja depreciativo, reagimos por antinomia: recusamos a sugestão e deixamos uma gratificação de outro valor, inferior ao recomendado. Ou nem deixamos gratificação, porque consideramos que todo o serviço prestado, que até pode ter sido de primeira classe, perdeu o merecimento da gratificação pela forma intrusiva como a sugestão foi apresentada. Somos empurrados para a negação do altruísta que há em nós. Ele há coisas que são contraproducentes.
Não se pode colocar de lado a hipótese de a sugestão ser entendida como a definição da vontade a partir do exterior, o que não é compatível com a autonomia que é intrínseca à vontade de cada um. Nem se pode excluir a possibilidade de haver muitas pessoas a deixarem vir ao de cima o misantropo escondido, recusando a “boa vontade” do socialismo aplicado aos costumes sociais nos restaurantes.
Para prevenir esse risco, um dia destes a gratificação obrigatória de 10% nos restaurantes passa a letra de lei. Deve ser o próximo passo na interminável peregrinação para uma sociedade perfeita, com a bênção, e generosa, dos socialistas.
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