6.3.23

Porto caviar

Mogwai, “How to Be a Werewolf” (6 Music Live Session), in https://www.youtube.com/watch?v=ePsBt-sU9T0

Excesso de hormonas que se habilitam no vil metal: a cidade aburguesou-se. Desta vez, é um aburguesamento cosmopolita, feito da miscigenação das muitas nacionalidades que aterram no aeroporto que serve a cidade. Um certo requinte toma conta das ruas mais frequentadas. Rareiam os turistas de pé descalço, o que não é novidade: atrás do aburguesamento turístico vem o encarecimento da cidade, que não é talhada para os turistas de pé descalço; e, assim como assim, estes fogem da companhia dos turistas que passeiam a frivolidade burguesa, pertencem a mundos diferentes que não se misturam.

A cidade de outrora já só é um retrato que ficou imóvel algures no passado. A miséria que habitava os bairros dos operários, dos camponeses e dos pescadores deixou de ser o viveiro que se emprestava às imagens sintomáticas de um tempo e de um modo. Agora, são episódicas. Pelo bem dos operários, camponeses e pescadores, Agora a cidade transpira modernidade. Falam-se mais idiomas estrangeiros do que o idioma pátrio. As imagens da miséria eram o bilhete postal que encapotava um regime entretanto deposto, ele próprio de uma miséria providencial (assim propagandeada). Deixámos de estar orgulhosamente sós. Agora queremos o convívio dos outros. Queremos que os forasteiros se misturem com os nativos, que estejam em maior número nas ruas mais conhecidas e que deixem dinheiro, muito dinheiro, para os nativos que lhes prestam serviços poderem subir na escada que transpira materialismo.

Este é um Porto caviar. Deixou de ser um Porto sardinha, ou, em versão já melhorada, um Porto bacalhau. A língua franca é arranhada pelos nativos, que não sabem como a embeber com o turpilóquio herdado de varinas e vendedoras de mercado. Ainda não souberam aprender com os palavrões que enxameiam a linguagem quotidiana, os filmes, os livros, a música e o teatro. Os forasteiros podem ensinar os nativos a serem devolvidos à impressão digital que foram perdendo, quando romperam com a herança dos antepassados. 

Este é um Porto caviar, requintado, com forasteiros sofisticados que desfilam luxo nos lugares de preços extravagantes. Todavia, a cidade está a decrescer. Esta adulteração testemunha o seu decrescimento. Por mais que os que alojam e alimentam os turistas exibam parte da fortuna para eles transferida pelos turistas requintados, é um Porto que fica num ponto final à míngua da qualidade de uma cidade que não queria ser derruída pela banalidade. 

O Porto caviar foi transfigurado para agradar aos forasteiros. Já não é o Porto típico que se oferece aos turistas; é o Porto que os forasteiros, em abastardamento da veia cultural do turismo, gostam que lhes seja servido. A culpa não é só deles. É acima de tudo dos nativos que adulteraram a cidade, fazendo-a Porto caviar quando o caviar sempre foi uma raridade à mesa dos portuenses.

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