7.3.23

Morfina

The XX, “Intro” (long version), in https://www.youtube.com/watch?v=eRYjhOpLd_s

Que céus plúmbeos atravessam os dias desengonçados, que despalavras se arremetem contra um coração sangrado, que muros estultos estão compreendidos entre o anátema do poder e os que são representados?

Que sombras se montam na linha da cumeada, como se fossem um eclipse que, perene, se torna o comodato de que somos inquilinos à força? 

Que desabilitação impende sobre uma herança que se arrasta enquanto tirocínio de si mesma, dissolvendo o tempo de que não chegamos a ser curadores?

Que desaprovação serve para esconjurar os intérpretes de um sentir maioritário, se entre essa maioria se filiam os que ficam atrás do esquecimento?

Que lição seria precisa para avivar as feridas dessas vítimas – seria matéria-prima bastante para os divorciar dos que parecem fadados, quase por divino decreto, a exercerem regência intemporal?

Na impossibilidade do precedente, que fármaco seria cautelar das dores dilacerantes que percorrem a carne inteira, sangrando-a como se de um matadouro se tratasse e o sangue aproveitasse às castas variegadas que se sentam à mesa do poder?

Que lente imprópria seria admitida a concurso para sindicar, sem hesitações ou preconceitos instituídos, as intenções dos regentes? O que seria preciso para regular a lente, e quem seria incumbido de o fazer?

Que venda baça seria precisa para fingir uma pertença sem linhagem, desbastada diante do tribunal do tempo que avaliza a incapacidade estabelecida para desfazer as arestas cortantes?

Que mares tumultuosos, ainda mais tumultuosos, têm de ser sulcados para se saber que a terra em espera é destemperada por uma sucessão de vontades impreparadas?

Que maratona é preciso concluir para desembaciar o olhar desinteressado, o olhar anestesiado, ou o olhar capataz?

Que desejo espera ser desembaraçado para voltarmos a ser tutores das palavras colocadas nas nossas bocas?

Que noites em vão serão convocadas para despejar a cal que disfarça de alvura as paredes corrompidas por tanto error?

Que perdas têm de ser inventariadas para violar as convenções que participam no princípio geral do torpor?

Que desfortuna se esconde na morfina tomada para disfarçar as ruas esburacadas legadas por mastins sem remorsos?

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