As coisas amadureciam em seu pedestal. Latiam, como se fossem coisas, e nesse latido havia um discreto ressoar a angústia. Das coisas não se avinagram nomes, que os nomes não precisam de injúrias para serem hostis. Se olhássemos para as rochas pendidas nas montanhas, para o sortilégio de certas formações rochosas, teríamos um indício de como tudo era vetusto, de como tudo é belo.
E, no entanto, a ancestralidade não era um embaraço. Tome-se o exemplo de (certos) vinhos: anima-se-lhes a qualidade com a idade que se sedimenta nos seus sedimentos. (A menos que avinagrem.) Ou as ruínas que são a imagem viva, projetada desde um passado remoto, até às faldas do presente. Os destroços não são destroços: são pedaços do passado que se prolongam pelo futuro dentro.
Se houvesse um golpe de Estado interior, ele seria uma sublevação do corpo contra a intendência do tempo. Não seremos indulgentes ao ponto de a nós convocarmos um elixir da eterna juventude – melhor seria que a agulha fosse mudada para um eterno elixir da juventude, mas o desresultado seria o mesmo. Os pedaços de mar que beijam a terra confiscam a maresia, assim interrompida. Não precisamos da maresia – diz-nos o mar, animado pela maré recalcitrante. Os pedaços de espuma que a maré deixa em apressada herança são apenas apontamentos decorativos que não transfiguram a tela. É como as peles que envelhecem: são a tela onde se deita a idade, um compromisso a que ninguém pode faltar.
Às vezes, a noite tumultuosa devolve sonhos que resgatam um módico do passado. São os piores pesadelos. Fundem a ilusão com a recordação de um tempo irrepetível. Essa é a maior proeza: não ficar sitiado pelo penhor desses sonhos-pesadelos e projetar o tempo para a frente, como se a rua fosse de sentido único e os únicos interrompidos fossem os que viessem em contramão. A cordilheira não está vencida e são muitos os ângulos escondidos que estão à espera de revelação. Quem disse que o tempo só contava se fosse o já consumido está a mais, desarmado na sua hibernação.
Se o mar se deixa ver completo desde o miradouro, os esteios da alma são acarinhados quando o olhar se distancia da tirania do tempo, da tirania que se apodera do pensamento e que o coloniza no medo da morte. Ao miradouro, antes que o nevoeiro tome conta da manhã e o olhar embaciado prescreva a latitude da alma.
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